21 de agosto de 2005

Ficaste só tu

Entrei. 22h30. O bar quase vazio. Cinco franceses apenas; talvez de férias, certamente alcoolizados. Sentei-me. Há muito que não fazia isto: vaguear sozinho pela noite. Nunca soube o que procuro nestas minhas aventuras; talvez busque uma falsa ilusão de eternidade - ouvi dizer que a solidão é o que se aproxima mais da eternidade.

Cinco franceses numa mesa. E tu. Nunca fui daqueles que deitam charme para cima de todos os seres do sexo feminino que vêem. E não o farei agora. Perguntas o que quero. Para o resto da vida, quero-te a ti (penso). Agora, uma cerveja. Uma caneca, para ter mais tempo "para ti". Observo-te, musa do momento. Apetece tirar-te uma fotografia, eternizar-te nos meus retratos guardados no baú de coisas mais queridas. Terei de me servir da memória, ao invés. Mas como guardar, ao pormenor, cada centímetro da tua beleza? Talvez começar pela voz, o que primeiro me cativou. Sim, antes do teu corpo, foi a melodia da voz que me "prendeu" nos teus encantos. O açucarado sotaque brasileiro foi a primeira arma fatal; desde esse momento, o bar desapareceu - ficaste só tu. Os cabelos negros em suaves ondas, o Atlântico e África num só. As curvas em sinuosa provocação: o peito escondido mas evidente, a cintura fina, as coxas lançando desafio a quem olhe. Mal empregue és num simpes bar; merecias o Olimpo.

23h30. Lembro-me da cerveja. Ainde nem lhe toquei. Bebo um pouco. Sede ou procura de inspiração, não sei. O bar vai enchendo, reparo. Talvez perca a atenção que me tens dispensado. Rapidamente bebo o que me resta da caneca (que é ainda muito) só para ter uma desculpa para te chamar: outra caneca, por favor. Temo perder a minha clareza de espírito antes de arranjar forma de te abordar. Segunda cerveja chegou. As pipocas também,. Boa!, é só o que eu precisava: ficar com os dentes cheios de milho torrado. Uns otários vieram jogar dardos para ao pé de mim. De repente, o bar começa a ficar demasiado cheio. Agora, para ti, sou apenas mais um cliente, entre tantos que chamam e pedem a tua atenção. Tu, minha musa inspiradora nesta noite de falsa eternidade, a todos acedes com a simpatia que dispensavas só a mim. Sinto-me traído. Não esperava, é certo, que cedesses aos meus encantos. Nem sequer os tentei pôr em prática; limitei-me a transformar o teu corpo no meu objecto de desejo, sem sequer te pedir autorização. Estarás a castigar-me, mesmo sem o saberes? Acredito que sim. A noite tem destas coisas: cria encontros e desencontros fortuitos e efémeros; muitas vezes, os seus actores são-no sem disso terem noção. Somos peões de um jogo que julgamos dominar, mas do qual nem todas as regras conhecemos.

00h30. O bar abarrota. A minha busca de eternidade nesta noite parece, inevitavelmente, derrotada. Entrei num bar vazio. Bebi duas canecas de cerveja, servidas por uma brasileira giraça e simpática. Mas agora o bar está demasiado cheio para o meu gosto, está muito barulho. Se calhar, o melhor é ir para casa dormir, dedicando-me a ideias e pensamentos bem mais reais.

00h35. Uma rapariga desastrada atira mal o dardo ao alvo, que ricocheteia, batendo-me na cabeça. Pede desculpa (vá lá!) e sorri. Talvez a noite não esteja totalmente perdida...

R.


P.S. numa noite de Agosto, à espera de uns amigos, no Tacão Grande

9 comentários:

polegar disse...

não será demais a sede da procura...?

luis mendes disse...

a espera foi assim tão grande?
no que me toca, apresento as minhas desculpas... ou não...

Anónimo disse...

:) não peças. sente o que tiveres de sentir. dissertar sobre os outros de fora é fácil...

angel_of _dust disse...

'big brother': as desculpas n são necessárias... como vÊs, dei o tempo por bem empregue ;)

angel_of _dust disse...

polegar: será alguma vez demais a procura por algo que nos contenta? será demais queres sempre algo ke está, aparentemente, inalcançável?

são baos perguntas. as respostas é ke são o pior...

polegar disse...

é sempre bom lutar pelo que se quer. faz-nos sentir vivos e, mesmo que não resulte, ao menos não temos de viver com a angústia dos "ses". temos é de estar preparados para as consequências e outras dores... tough choice, mas eu já fiz a minha...

angel_of _dust disse...

falas da "opção" pelo teatro? foi uma escolha assim tão difícil?

polegar disse...

foi. basicamente destruir toda a fé e confiança daqueles que me são mais queridos. afinal sou uma maluca sem juízo, que quer ficar a brincar em vez de fazer alguma coisa a sério da vida. dói.

angel_of _dust disse...

essa frase «ficar a brincar em vez de fazer alguma coisa a sério da vida» também eu já a ouvi várias vezes - curiosamente acerca do mesmo tema. fará parte de algum manual?! e realmente dói, porque além de se ficar só com uma decisão (mas n serão solitárias tds as grandes decisões?!), tb nós acabamos por questionar a validade das mesmas.

vejo que tu agarraste a tua decisão pelos "cornos" - eu tenho feito o mesmo com a minha. espero que ainda estejas satisfeita... eu para lá caminho!

P.S. ainda havemos e discernir mais sobre isto