18 de abril de 2006

As minhas letras com vida

As minhas letras com vida. Nunca pensei que as minhas letras servissem para algo mais que espelhos para me olhar. Não vejo nelas qualquer utilidade que não seja fechar a minha Pandora (a tal da caixa...), cerrá-la bem dentro - se bem que estas letras são transparentes, deixam ver o que se esconde por detrás. Mesmo assim, foi com espanto que me pediram se as minhas letras podiam ser o início de qualquer coisa, um motivo para criar um objecto; neste caso, um percurso de teatro.

Mas porquê as minhas palavras? Que têm elas para serem princípio de qualquer coisa maior? E logo teatro, movimento - acção. Logo eu que amo contemplar o nascer e pôr do sol, sempre do telhado do mesmo prédio. Logo eu que amo a quietude da noite, o silêncio sepulcral das vidas vividas na penumbra dos candeeiros. Fiquei mais descansado quando me disseram que elas não seriam, de modo algum, respeitadas. Ao invés, seriam esventradas, trocadas, cortadas e recoladas num caos organizado. Aceitei. Se as minhas palavras interessam, pois usem-nas - foi o que disse.

Devo dizer que me senti lisongeado. Alguém aceitar a minha cidade é alguém aceitar-me a mim. E, como qualquer anjo caído, necessito de aceitação - mesmo que não o admita. Também gostei de saber que as minhas letras seriam usurpadas por jovens anjos, ainda de asas vigorosas e de olhos rente ao sol. O seu vôo passou a ser, de certo modo, o meu vôo.

E, por isso, a estes anjos de penas brilhantes digo: Que a minha cidade seja o início da construção da vossa. Não a tomem como certa, como verdadeira! Duvidem dela, como eu duvidei das cidades que me foram apresentadas. Risquem as letras que vos "ofereci" e substituam-nas pelas vossas. Que aquele rio na margem do qual se sentaram, seja o leito do vosso vôo. E que as fotografias da vossa noite tenham a alma das viagens e das multidões que ainda vão conhecer.

Obrigado por terem aceite fazer esta viagem...

R.

2 comentários:

Anónimo disse...

"As minhas letras com vida. Nunca pensei que as minhas letras servissem para algo mais que espelhos para me olhar." :) Porque as palavras são conchas, receptáculos de sentido, beijos na alma e no coração. Gostei do teu blog e dos teus textos :)

angel_of _dust disse...

Obrigado Selene... até um anjo gosta de elogios :) E continua por aqui, espero não te desiludir.

Concordo contigo, as palavras são "apenas" conchas, teremos de ser nós a dar-lhes sentido. Talvez nessa busca, achemos sentido para os nosso projectos... quem sabe?