27 de abril de 2006

A cidade das 32 ruas

Hoje voltei a ti, minha cidade imaginada. Senti-te novamente a pulsar dentro de mim, como se a utopia tivesse recuperado o fôlego há muito perdido.

Tenho de admitir que a força desta cidade desejada por um anjo confuso estava a enfraquecer a cada dia. A jovialidade com que imaginava que os sonhos são possíveis, que a força de um poderá mutar-se na força de todos - essa inocência de espírito estava a diluir-se nas multidões pendulares e nos dias cinzentos e sempre iguais. Diziam-me que afinal não deviamos querer mudar o mundo, mas sim adaptarmo-nos a ele. Se primeiro estranhei... depois entranhei e começava a aceitar. Pouco a pouco, essa cidade de cores vivas e vibrantes, esse tempo de mudança e construção, desvaneciam-se. Agora via uma cidade sempre igual, hoje como ontem... hoje como amanhã. Fotocópias de fraca qualidade, repetidas vezes sem conta - as letras desaparecendo, cada vez mais perto de apenas folhas brancas. Era assim que me começava a sentir: uma folha branca, mas já amarrotada de um repetido uso.

Mas hoje, a cidade imaginada regressou. Não por festejos bacocos e vazios de sentido. Não por bandeiras ao vento, em que os símbolos estão eles também gastos - fotocopiados. Não por palavras de ordem presas no tempo, e desadequadas a uma cidade de olhos no futuro. Hoje a cidade imaginada renasceu porque me lembrou de tudo o que foi luta, acção - de tudo o que queríamos, mas, principalmente, de tudo o que ainda iremos desejar. E cada uma das trinta-e-duas ruas da memória passou de manifesto a projecto. Afinal, a cidade sempre manteve as suas cores - apenas estavam empoeiradas. Saí para a praça, e senti que aquele sentimento que julgava perdido ainda lá estava... à minha espera. De cada porta, de cada janela entreaberta - de cada pessoa - um sonho saía. Eram já muitos, enchendo a cidade. Eram estes os sonhos de que os livros de História falavam. Alguns cansados, é certo, mas ainda com força suficiente para se unirem a outros sonhos - para fazerem a cidade imaginada. Deixei também que os meus desejos se libertassem no ar, ganhassem novamente vida. E a cidade acordou.

Hoje, aqui e agora, esta cidade desperta (nem que seja por um dia) disse-me que contava comigo. E eu, de asas vermelhas ao vento, respondi-lhe: «sabes, acho que ainda vamos a tempo!»

R.


P.S. tudo isto a propósito do 25.04 - ainda é possível a utopia...

2 comentários:

mitro disse...

Excelente texto amigo!

Que a cidade imaginada tenha lugar...

angel_of _dust disse...

Assim também o espero... creio que todos nós buscamos uma qualquer cidade imaginada; a "chave" está em queremo-la com a força suficiente para se concretizar.