23 de janeiro de 2008

A espera é o pior #2

A ironia de esperar por alguém. A (quase) certeza de que o nosso anseio não tem retribuição em quem é o objecto da nossa espera. E, assim, a dúvida do encontro é também o receio de querermos seguir um caminho acompanhado, e tê-lo de afinal cumprir sozinhos. E por isso a espera é o pior. Termos de nos confrontar com a incerteza, mais do que com o atraso. Mas eis que, na penumbra do passeio que separa a cidade que nunca dorme da praia deserta em noite inverno, surge uma figura. Primeiro difusa, sem formas concretas. Depois, pouco a pouco, assumindo a imagem que a nossa alma já começava a fazer desaparecer. Por conforto e resignação. E essa figura transfigura-se em sorriso largo e luminoso. Em mãos frias, mas doces. Em olhos tímidos, mas meigos. Em passos que, afinal, não são seguros. E a espera ganha cores mais quentes. Desaparece. A espera é agora hesitação no olhar. E nas palavras. Que dizer?

Mas as palavras são desnecessárias, por vezes. As palavras atrapalham, criam demasiadas definições para o que é simples - para o que é verdadeiro. Queremos falar para que nos entendam melhor. Achamos que uma boa frase no momento certo resolve tudo. Mas não. O brilho, o suor, o frio e o calor que se tocam - isso sim, diz muito de nós. Diz como o nosso corpo sente o que é espera, e depois, quem sabe, oferecido. E como tenta retribuir tal oferenda. Por isso, um primeiro beijo dissipa da nossa alma toda a an´gústia da espera passada. E já quase esquecida. E, assim, a espera que, ao princípio perturba, é também a espera que cria a ilusão e permite que os momentos que serão vividos e ansiados sejam mais saborosos. O gosto da espera é doce mas difícil de explicar. Como uma fruta na sua época. Como a comida caseira em noite de natal. Como um beijo roubado numa praia (quase) deserta.

Afinal, a espera pode ser boa. Depois de fazer tremer o corpo de dúvida, a espera pode fazer tremer o corpo de satisfação, de prazer.

R.

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