13 de junho de 2008

Mais uma foto rasgada

Estive ontem no último adeus a alguém que fazia parte das minhas memórias de infância. Alguém a quem devo uma cicatriz no pulso e tantas brincadeiras. Que foi face presente em muitos dos jogos que aprendi. De algumas das lições que transgredi. Que foi de certeza o meu primeiro amigo "mais velho" - aquele atrás do qual nos escondemos para evitar as confusões que vamos criando. Aquele que nos dá um empurrão quando passamos das marcas. Mas acima de tudo aquele que nos protege e que nos vai abrindo o mundo. É certo que há já muitos anos que essa face não povoava os meus dias. Sabia dele apenas por terceiros. É certo que os nossos caminhos se separaram irremediavelmente. Que eu passei de miúdo traquinas a rapaz (homem?) muitas vezes seguro de si. E que ele foi dando muitos tropeções na passagem de adolescente a homem. E que agora finalmente tinha encontrado um rumo. E que agora, com rumo encontrado, a linha se partiu. De repente. E é certo que raramente perguntava por ele - também é certo que raramente pergunto por alguém... Mesmo assim, quando aquele rapaz-homem-miúdo desapareceu, ficando apenas uma caixa com as suas cinzas, não pude evitar um aperto no coração. Mais umas das minhas fotos se rasgou. Cada vez sinto mais que os trilhos que percorri para chegar aqui se vão desvanecendo. E começo, finalmente, a perceber o verdadeiro significado da memória: é tudo aquilo que guardamos cá dentro mas que já não conseguimos provar.

R.

4 comentários:

Nuno Guronsan disse...

Essa tua última frase também é para recordar, para ficar na nossa memória interior. E continuo a manter a minha ideia de gostar de ler elegias (fúnebres ou não), pois não há melhor forma de celebrar a vida de alguém que amamos, respeitamos ou simplesmente achamos que merece que assim se faça.

Abraço, meu amigo anjo e força para manteres as outras fotos perto de ti, intocáveis.

c. disse...

Sim, as memórias são como fotografias. Após o click não podem ser alteradas. Podemos sempre voltar a observá-las mas jamais voltaremos a provar as mesmas emoções, com a mesma intensidade ou a mesma luz. Muitas vezes já quase nem nos reconhecemos nas imagens mas sabemos que ali estivemos, que vivemos aqueles momentos. E, apesar de nem sempre mantermos contacto com aqueles com que partilhámos os nossos rolos, eles farão sempre parte das nossas vidas. Ainda que à distância ou através de terceiros. Resta-nos a vontade de continuar a captar cada instante, a capacidade de queimar toda a película na busca da certeza de que um dia teremos muitas estórias para contar e reviver. Ainda que, por vezes, com outras cores que não aquelas que captámos.

Um abraço cheio de forças, para que consigas sempre captar novas fotos e guardá-las nas melhores molduras :)

Anónimo disse...

quando os amigos partem é que damos valor ao que eles representaram para nós.por isso devemos fazer um esforço para acarinhar os que ainda andam ao nosso lado.,guardando as fotos que com eles vamos tirando nesta vida doida e volatil.um grande abraço e força para continuares a tirar e a guardar tudo o que a vida te vai oferecendo.jj

luis mendes disse...

Como os amigos, também as alegrias e as tristezas se podem partilhar... e esta foto também era minha.

Os anos passaram, os caminhos tornaram-se diversos, e, irremediavelmente, fomo-nos separando daqueles que fizeram parte do nosso processo de crescimento.

Com esta, já são três fotos que partilhámos e que, agora, estão no albúm das nossas memórias...

Até sempre amigo...