19 de setembro de 2008

Inventa

Conta-me uma história. Que conheças. Ou que alguém te tenha contado. Não interessa. Quero conhecer o mundo lá fora. Pela tua boca. Saber das grandes travessias. As deslumbrantes descobertas. Os povos que foram encontrados. E aqueles que desapareceram para sempre. Conta-me como foi feito o mundo. Como nasceram as cidades. Agora tão banais. Sê a mensageira que me traz as boas novas. Educa-me. Ensina-me a ser melhor. Mais inteligente. Mais justo. Ir mais além. Evoluir. Leva-me pela mão até ao conhecimento. Aquele que possuis. E que agora generosamente me irás transmitir. Para que contigo, eu seja melhor.

Inventa-me uma estória. Que mais ninguém tenha ouvido. Só para mim. Quero conhecer. A ti. Conhecer-te. Pela boca. Mãos. Cabelos. Olhos. Sexo. Fala-me das tuas viagens interiores. Ao fundo da tua alma. Os teus segredos mais profundos. Que te fazem corar. Que nos fazem corar. Prometo não os contar a ninguém. Deixa-me encontrar todos os sinais da tua pele. A forma como te arrepias quando te toco no pescoço. Inventa só para mim episódios da tua vida. Como se fosses única quando estás comigo. Tudo o que fazes lá fora não me interessa. Juro reinventar-me também. Inventar um novo eu. Nem melhor. Nem pior. Mas só para ti. Podes guardá-lo. Podes até inventar-me um novo nome. É isso. Mudamos de nome - como mudamos de vida. Como queres que te chame? Diz, não tenhas vergonha. Tudo é possível. Desde que ninguém saiba. De nós. Do nosso admirável mundo novo. De um mundo que inicia e acaba onde quisermos. Quando quisermos. Que se encerra em nós. Não necessita de cidades. Nem de estradas. Um mundo em que estamos em todo o lado. Em que redesenhamos o mapa todas as noites. As montanhas. Os vales. Os rios. Um mundo que se alimenta do nosso calor. Um mundo que vive a partir de nós.

Inventa-nos um poiso. Onde nos possamos encontrar. Onde os nossos sonhos se possam encontrar. Pelo pensamento. Ou pelo toque. Não precisa de ser um T1 com armário no corredor, com ar condicionado e televisão por satélite. Nem precisa sequer de ser uma casa. Basta o espaço suficiente para nós. Para descansarmos as asas. Do cansaço da viagem. Para criarmos estórias. As nossas estórias de anjos solitários. De beijos roubados. De abraços apertados. Sem palavras. Apenas um corpo contra outro corpo. Peito contra peito. Ventre contra ventre. Um corpo único em comunhão. Escondido nas sombras da noite. Onde ninguém nos possa encontrar. Um recanto numa rua deserta. Um vão de escada por onde ninguém passa. Uma cobertura de onde se possa ver as estrelas. Uma praia deserta. Ou uma montanha envolvida no nevoeiro. Inventa um intervalo para as nossas vidas. Onde possamos perder o nome e a profissão. A idade e o passado. As relações rotineiras. Os amores do dia-a-dia. Um intervalo onde sejamos apenas nós dois. De asas abertas. Um com o outro. Um para o outro. Desligar a televisão por um momento. Guardar a novela que nos guia. Por um dia. E ficar à espera de sermos surpreendidos. E assim ganhar aquele sorriso nos lábios e na alma e no corpo. O sorriso que tem teimado em fugir. E que nessa estória - nesse poiso - nesse intervalo... é nosso.

R.

3 comentários:

M disse...

...não quero viver uma vida inventada, mas sim inventar uma (nova) vida...


bj meu

angel_of _dust disse...

... e poder vivê-la com toda a ansiedade que nos têm negado a esta vida "antiga"

c. disse...

...mas de que nos vale uma vida inventada, onde tudo é apenas ilusão, se não pudermos sentir a emoção de partilharmos quem somos de verdade?

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