5 de dezembro de 2008

A chuva batendo na janela

A chuva vai batendo na janela. As ruas molhadas. As pessoas. As poucas pessoas. As raras pessoas que ousam aventurar-se na cidade em noite de chuva - também se vão molhando. Numa estranha dança de guarda-chuvas. Que nunca têm o tamanho certo para nos salvar da fúria da intempérie. Que apenas servem para serem perdidos num qualquer lugar - sem querer ou num gesto de vingança bem planeada. E que acabam por apenas adiar o inevitável corpo molhado que entrará mais tarde em casa. Mas do outro lado dessa janela - não chove. Do lado de dentro desse vidro. Molhado pela chuva do lado de fora. Embaciado pelo calor do lado de dentro. O lado de dentro - onde tu estás. De onde tu olhas as pessoas - lá fora - molhadas - à chuva. E a aflição dessas pessoas, tentando em vão fugir das poças de água e dos carros despreocupados com a sorte alheia, é para ti um motivo de riso. Não, riso não - apenas sorriso. Talvez seja um sorriso de pena por quem tem de se sujeitar à chuva. Ou de satisfação por te saberes a salvo no lado embaciado da janela - o lado de dentro onde há calor.

Ou, quem sabe, o sorriso que as pessoas que andam à chuva não podem ver se deva a alguma aventura tua no lado de fora da janela. Quando noutra noite, em que também chovia, tu eras uma das que se molhavam nas ruas quase desertas. Numa noite em que decidiste abandonar o calor do lado de dentro da janela e partir em busca de alguém com quem partilhar aquela chuva. Era verão nessa altura. E aquela chuva de verão, fenómeno da natureza, era algo que para ti deveria ser vivida a dois. Esta chuva agora, que bate na tua janela, por ser característica da época invernal, não tem o mesmo encanto - pelo menos do lado de fora da janela. E nessa noite de verão - mas em que chovia - quiseste encontrar quem contigo tivesse vontade de sentir as gotas de água na face - e nas mãos. E assim correste a cidade, de rua em rua, de bar em bar. Até encontrares um sorriso - aquele sorriso. O sorriso que em tudo condizia com a chuva de verão que caía pelas ruas. E foi quase no momento de desistir que ele apareceu. Sentado num banco, junto à praia. O sorriso procurado. E agora achado. «Porque demoraste? (diz ele) Espero-te já desde as chuvas de Abril...». Mais tarde, e com parceiro encontrado, quiseste sentir essas gotas pelo corpo todo - no pescoço e no peito, na barriga e no sexo, nas pernas e nos pés. E assim, ambos nús numa qualquer praia perdida, deram-se um ao outro sob aquele manto de água - que vos cobriu e serviu de abrigo. Quando a manhã começou a clarear, também a chuva foi rareando. Apenas um nevoeiro raso. Como se a dádiva que tinham partilhado vos tivesse transportado a uma qualquer ilha perdida na bruma. E de onde não apetece voltar. Mas os primeiros raios de sol dissiparam a neblina. E a cidade que parece nunca adormecer - mesmo em noites de chuva - retomou o seu bulício habitual. Antes que olhares indiscretos se pudessem intrometer neste sonho de uma noite (de chuva) de verão, vestiram-se. Junto ao banco onde trocaram o primeiro sorriso, despediram-se.

Talvez seja a memória desse sorriso, dessa praia - dessa chuva - que te leva agora a sorrir através do vidro da janela. Talvez. Ou, quem sabe, o teu sorriso se deva ao cartão que trazes na mão. Que trazes quase junto ao peito. O cartão que encontraste debaixo da porta de entrada. O cartão onde, com uma caligrafia cuidada, diz: faltam apenas quatro meses para as chuvas de Abril. Pena é que faltem ainda outros tantos meses para as de Agosto...

R.

p.s. quem se aventura numa chuva de inverno?

3 comentários:

M disse...

i don't

bj meu

c. disse...

...o frio do Inverno pede um abraço apertado. os corpos, moídos da chuva, anseiam pela partilha. a alma pede para ser aquecida, confortada, enquanto o sorriso espreita e procura quem lhe responda lá fora.

**

M disse...

feliz 2009!

bj meu