29 de janeiro de 2010

(por vezes) A ausência é boa

para a C.

Acho que, por vezes, a ausência é boa. Descubro agora isso. Antes julgava que tudo deveria ser bebido sofregamente. Cada estória. Cada personagem. Cada minuto e segundo. Cada toque ou estímulo. Mas vou percebendo - tu foste-me ensinando - que as pausas também são necessárias. Que tudo o que fica intenso por demasiado tempo tende a tornar-se, com o tempo, em algo que acabará por nos sufocar. E mais ainda quando as ilusões não são facilmente etiquetadas. Quando não podem ser comodamente arrumadas em prateleiras na nossa cabeça. E que, por vezes, é preciso vir à tona para respirar. Recuperar as forças para voltarmos a submergir na ilusão. Ensinaste-me isso. Mas não creio que o saibas. Porque nunca o verbalizaste - nem pensaste. Certamente esta ausência não foi planeada por ti - por mim sei que não. Foi algo que aconteceu. Subitamente, o tempo passara. As noites em que envolvemos os nossos corpos em sal da praia e suor do toque estavam agora mais longe. Do corpo - porque afastá-las da alma e da memória seria tarefa impossível. São algo que faz parte de um mapa de ilusões que gravei a sangue e sorrisos nos contornos das minhas asas vermelhas. Cicatrizaram e são parte de mim. E talvez a ausência seja boa porque permitiu que as cicatrizes reclamassem o seu espaço - não mais foram sendo rasgadas umas em cima das outras.

No rápido pendular das horas e dos minutos da vida-de-todos-os-dias, a distância foi crescendo. E daí a ausência. Umas vezes marcada na necessidade que se sente por faltar alguém que fale a mesma língua. Outras vezes, a ausência não foi notada - diluída no muito que se tem para fazer, e nas inúmeras rotinas a preservar. Jornadas cruéis estas que impedem os anjos de voar a seu prazer e vontade. A ausência foi ficando sólida, impondo um espaço só seu dentro da nossa alma. Mas não o fomos notando. Aliás, não creio que eu mesmo o soubesse - até hoje. Fui suspeitando aqui e além, mas nunca assumi totalmente a falta. Até esta noite de solidão. Em que a noite está prestes a ser manhã. Em que olho pela janela e sinto a falta de uma ilha onde habitar - e de ti para me fazeres companhia. De estar de mão dada. De ver o reflexo dos meus olhos nos teus. E, por momentos, esquecermos que eu sou homem e tu mulher e sermos outra coisa. Algo que acabámos por, ao longo das nossas viagens, nomear de anjos. Mas que no fundo é apenas eu e tu a fundirmo-nos. A fecharmos os olhos e arriscar avançar para uma estória inventada em cima do joelho. Em que o início foi de descoberta. E a continuação também. Mas que agora ficou suspensa.

Sim, acho agora que essa ausência foi - é - boa. Talvez mesmo necessária. Para que se possa respirar. Para termos a certeza que todas as viagens, todas as praias, todos os toques - tudo o que vivemos foi verdadeiro. Para sabermos que as ilusões são palpáveis, têm forma e nome de mulher. Que não podem ser etiquetadas. Mas que também pedem atenção. E que depois da ausência vem a falta - a carência. E que sim, mesmo sendo uma ilusão de anjos... tu fazes-me falta. E que a ausência só tem sentido se terminar num "até já"...

R.


4 comentários:

Nuno Guronsan disse...

Enquanto lia as tuas palavras, notava que havia algo que não estava bem, não estava certo. Sim, as palavras faziam sentido, e parecia haver uma real intenção de acreditar nelas enquanto as escrevias. Mas ao mesmo tempo, havia algo que não estava lá. Algo que parecia também ausente. Como se fosse o teu cérebro, racional e inteligente, a escrever aquelas palavras num momento em que a tua alma tinha voado para longe, deixando-te sozinho com as tuas cicatrizes e com as memórias que elas te trazem. Mas depois li a última frase e compreendi que quem estava enganado era eu. E que durante todo o tempo, eu é que fui enganado pelas tuas palavras.

Não sei se dá para perceber, mas revi-me no espelho das tuas palavras.

Abraço. Forte.

c. disse...

...ou de como a ausência se expande e cria um vazio que sustenta e nos impede de cair.

...ou de como novas cicatrizes alinhavam rotas nos nossos mapas. sem necessidade de rascunhos. ou borrachas. sem precisar de rasgos para se fazerem notar.

...ou de como há ilhas que transpiram a serenidade de quem observa o constante ondular das marés. como quem sabe sempre o que vai encontrar. Como quem não teme o amanhã.

...ou de como a ausência se transforma em saudade. como quem quer para agora tudo o que já sentiu. como quem quer agora tudo o que já sonhou.



até já
**

M disse...

isso requer um dominio de ansiedade invejavel...

angel_of _dust disse...

monikyta: isso requer gostar de sentir o agri-doce da espera e do desejo. e requer sabermos saciar a nossa sede de querer mais... para depois podermos aceitar as carências...

... temos de saber guardar para nós o que de bom trazemos - para podermos recuperar os cheiros, sabores e toques - e assim prolongar as memórias.