12 de fevereiro de 2010

Carta para falar de mim (mais uma vez)

É nas horas que se confundem entre a noite e a madrugada que finalmente falo contigo. E parece que se criou o hábito de demorar muito a responder ao que me dizes. Mas, desta vez, não pedirei perdão pelo tempo passado. Digo mesmo que não faz mal - tudo o que é esperado ganha outro sabor. A espera traz a acidez dos olhos aguardando as letras se formarem à sua frente. E a doçura do sorriso que se cria quando finalmente o ansiado retorno surge. E essa espera (que deve muito ao pendular movimento dos dias e das rotinas) é também o que me move. O achar sempre que existe algo mais a descobrir. Novos caminhos, novas formas de ler, ver, agarrar. Novas pessoas. Novas estórias e memórias a inventar.

Sabes, acho que também é isso que vai movendo a minha caneta. É esse querer não estar parado que me vai impulsionando a partilhar as palavras-frases-sentimentos-estórias com outros. Sim, claro que gosto de saber que gostam do que escrevo. Ou que o que digo lhes é próximo - que alguém se pode rever e sentir o mesmo. Mas, acima de tudo, acho que é quase um verter de sangue e lágrimas para o papel. Não como uma ferida que nos magoa e tolda os movimentos. Mas antes o expor à luz do dia e ao fresco da noite as partículas que nos fazem ser quem somos. Tudo o que vivemos. As memórias. Os cheiros e os sons. E ainda o que desejamos alcançar. Os mapas de viagens imaginadas - quem sabe impossíveis de concretizar, mas mesmo assim essenciais para tirar a 'nossa' fotografia.

Se esse sangrar pode ser chamado de dom, já é algo que não sei... Não vejo nele algo divino, antes pelo contrário. Acho que é a forma que encontrei para me sentir mais 'humano', mais ligado aos meus sentidos e emoções, e menos automatizado às rotinas que, querendo ou não, fazem parte da nossa vida-de-todos-os-dias. Vejo mais um dom no que proclamas para ti. Ou terei sido eu a proclamar - e tu aceitaste timidamente? Essa capacidade que assumes de fazer bem a quem te rodeia. De transmitir essa energia positiva. E não duvido minimamente do poder do teu sorriso. Da força que ele pode impor nos outros. Pois se foi precisamente por aí que esta linha que agora nos uniu começou a ser desfiada. Se foi o teu sorriso que me chamou - mesmo que não soubesses. Penso agora, enquanto te escrevo, se terei notado em ti semelhante magia - uma forma parecida de ser e de estar. Não sei. Acredito em coincidências. Mas acredito ainda mais em perceber sinais e não ter receio de os aceitar. Em arriscar seguir os impulsos e os caminhos que eles nos sugerem. E assim, a linha foi viajando até chegar ao pé de ti... E eu não tive que fazer mais do que ver onde ela me levou. Fui visitar-te e por aí me deixei ficar. E mesmo não te tendo pedido licença - mesmo tu me dizendo que não preciso dessa permissão - mesmo assim, irei sempre pedi-la. Para não me sentir um intruso ocasional. Mas sim um visitante regular.

Como vês, tenho a tendência de falar muito. Espero que não de mais. Mas talvez seja isso o que faço melhor. Contar estórias. Inventá-las. Mas também quero conhecer as memórias que queiram partilhar comigo. Prometo protegê-las como um tesouro precioso - sabendo guardar o mapa secreto só para mim. Debaixo das minhas asas vermelhas de anjo. Sentado no mais alto dos edifícios. E a sentir na face o orvalho da noite-quase-manhã.

Até já,

R.


4 comentários:

M disse...

q o destinatário da carta seja merecedor do seu [excelente] conteúdo :)

angel_of _dust disse...

será que há destinatário? ou se calhar, és tu anjinha/menina/colega/... se calhar, as cartas deviam ser sempre escritas sem o destinatário previsto - esperando descobrir quem as quer receber...

[exactamente - falo demais]

Didática do Silêncio © disse...

brilhante...

Anónimo disse...

brilhante, sim.É sempre bom saber que ainda se escrevem cartas e que cartas.JJ.