3 de junho de 2011

Querer e (não?) poder

Querer e não poder. Porque sim... ou melhor, porque não. Afastar o chamamento dos sentidos. Fechar os olhos às imagens que se desenham e que me puxam para beira do que será um precipício. Não ouvir os sussurros que apelam à minha vontade. Refrear as mãos que procuram descobrir novos caminhos, novos lugares onde morar e desbravar terreno. Saber que a saliva se quedará sozinha, sem sentir o gosto ácido - ou doce - do fruto apetecido. E tentar ignorar o cheiro bom de um feitiço que nos cerca, deixando-nos (quase) indefesos aos seus encantos. Assim é querer e poder - mas não dever. Saber que, uma vez a porta aberta, um novo universo se abre. Saber que cruzar essa porta é esquecer o nome e, nem que seja por momentos, esquecer tudo lá-fora. Ficar apenas cá-dentro. E isso bastar - ser mais do que suficiente - ser tudo o que queremos.

E a dúvida cresce. Querer é poder, por imperativo da vontade e da ilusão. Querer ser mais... ser mais que um punhado de laços e regras. Sermos nós. Dos pés à cabeça, passando por cada milímetro do corpo. Sentir cada textura de nós chamar por algo mais. Querermos que os olhos se refresquem nas sombras que desenhamos na quase penumbra. E deixar que essas sombras tragam até nós os chamamentos da sereia. Descobrir com as mãos e corpo as formas suadas de um planeta por desbravar. Comer, morder, lamber ansiosamente os frutos, como se nunca antes tivéssemos sentido sabor igual (e teremos?). E o aroma que sempre nos cativou, senti-lo mais próximo - deixar que nos invada e se funda com o nosso próprio cheiro. Mas também abrir as cancelas da alma. Deixar o (e)terno viajante ganhar sobre o "perfeito" morador. Guardar numa gaveta as incertezas e ponderações. Avançar sem receios ou moralismos. Saber - acreditar - que somos mais do que apregoamos aos quatro ventos. Aceitar que não somos - nunca o fomos sequer - perfeitos. E que a ilusão também tem lugar em nós. Essa ilusão difícil de explicar e ainda mais de seguir. Mas que nos preenche - nos puxa. Como se de uma linha invisível se tratasse, seguimos a estrada amarela em direcção a Oz. A um feitiço que ninguém viu, mas em que acreditamos piamente. Porque sabemos, bem cá no fundo, que foi por ele que sempre chamámos em sonhos. E que ele não substitui a realidade palpável de todos os dias... mas sabe igualmente bem. E, assim, queremos os dois.

Querer o que não se diz - pela razão que não se aceita. Mas, num instante, tudo muda. Apenas bastando, para isso, um "vem". E a razão termina onde a ilusão se impõe... E, mesmo sem saber se estamos prontos, fechamos os olhos. E vamos.

R.

1 comentário:

Anónimo disse...

Já te espreito há muito tempo. Tanto, que já nem me lembro quanto; mas de todas as vezes que por aqui passo, surpreendes-me mais um pouco.

Esta sensação, conhecida por muitos, mas tomada acção por tão poucos, é tão difícil de colocar por palavras e no entanto, como sempre, tu executaste-o de forma deliciosa e muito tua...

Quando for grande, quero ser como tu :)

xitracinhocoração
S.