26 de junho de 2012

Apagar as palavras

Vou percebendo, pouco a pouco, que desenhei muito... talvez mesmo demais. Aceitei - com ou sem consciência - este ofício de ilusionista de mim próprio. Criei castelos feitos de nuvens que julgava sólidas o bastante para segurar as minhas asas. Mas não existem nuvens que aguentem as fortes rajadas. Do tempo. Da rotina. E, sim, da minha incúria. Achei-me com capacidade suficiente para fazer o malabarismo. Para ser tudo, pedindo nada - de um lado. Para querer tudo, tendo apenas imagens para retribuir - do outro lado. Mas a incúria de nem sempre ter energia para sustentar as duas faces da moeda que sou eu acabou por me apanhar. Deixando-me ser pouco na cara - fraco demais na coroa.

Como as ondas que vão rebentando na nossa "praia" (ainda te lembras dela?), as marés altas deram lugar a baixios que mal dão para molhar os pés. E eu sou bem melhor a falar de navegação que a propriamente nadar. Até à ilha, a nossa ilha - que ainda está lá, mas que parece agora pouco acessível. Continuo a imaginá-la de forma igual. Mas deixei fugir a ponte que me levaria lá. Que nos juntava lá. Como, quando e porquê... não sei. Num dia, tudo estava tão perto - no outro, as imagens estão já desbotadas. O muito que se disse mudou para pouco que ficou.

Na verdade, estou farto de falar. Esta verborreia que, um dia, já foi o início de tudo - é agora um obstáculo a que as imagens ganhem vida para lá da folha de papel. Porque pareceu, durante muito (demasiado?) tempo, suficiente - fomos nos alimentando de palavras bonitas e pequenos momentos de toque. E não pedimos mais. E porque, na abundância de palavras, os vazios que ainda existem estiveram escondidos. E agora, que as palavras estão fracas, esses vazios são escuro e penumbra - e parecem engolir quase tudo.

Até mesmo a minha capacidade de falar.

R.

3 comentários:

c. disse...

...ou de como a poeira mágica dos dias vai camuflando as formas do mundo lá fora.

...ou de como desses grãos de areia, em tempos alimento para ilusões, se formam dunas (quase) intransponíveis.

**

angel_of _dust disse...

talvez...

... a poira apenas seja mágica aos olhos de quem vê, e aprecia. na ausência dos olhos, será apenas pó na estrada.

talvez...

... as dunas sejam mesmo intransponíveis. ou talvez, tenhamos esquecido a palavra-chave para abrir a porta - e, se calhar, há que a re-aprender.

Didática do Silêncio © disse...

Muito bom...