18 de setembro de 2016

Viena. Paris... #1

As melhores viagens são aquelas que fazemos dentro de nós - dentro da nossa cabeça, planeadas por uma racionalidade que (felizmente) tantas vezes falha; dentro do nosso coração, palpitadas por uma vontade de deixarque o pulsar nos compasse a vontade. As melhores viagens são aquelas que nascem não de uma decisão ponderada, mas da urgência de quem sente a ilusão rasgar o corpo. De quem sabe que existe um universo bem maior que os mapas insistem em mostrar. As melhores viagens são inevitáveis para quem sabe que tem de arriscar mergulhar na neblina. Para quem sabe que perder as palavras e saborear o silêncio é o "perfeito" sinal que as asas de um anjo servem para ousar a utopia - não para serem adorno de de imagens bonitas mas que nunca passarão de um papel sempre virtual (porque nunca ganhará corpo e sabor). Um papel onde tudo sempre funciona e faz sorrisos efémeros, mas que pouco vida tem. Sim, existem umas asas para abrir. Uma utopia para abraçar. E todo um universo que espera aqueles que sabem que, por detrás do espelho, os coelhos atrasam-se só pelo prazer de correr e as Alices escolhem sempre encolher só para poderem ser engolidas pela fantasia.

Viena. As viagens - melhores ou nem por isso - têm sempre um ponto de partida. Todas, sem excepção. Mesmo aquelas que nunca se cumprem, um dia foram sonhadas e partiram de um qualquer lugar - físico ou imaginário. Um lugar onde se prepara a bagagem, se escolhe tudo o que queremos levar - todos os objectos, todas as necessidades, tudo o que queremos saciar. Um lugar onde assumimos que as melhores viagens têm necessariamente de começar com o pé direito, com uma alma despida de preparações e conjecturas. Apenas connosco e a vontade partir. [Será o momento de confessar que uma noite, há tempos que já passaram, fiz questão de descer com o pé direto de um combóio que me levava ao desconhecido - não sabendo que praia me esperava ao fundo da rua?] Um ponto de partida onde revemos o mapa, onde tentamos decorar os caminhos - nem que seja para logo os esquecer e aceitar viajar no desconhecido - onde antevemos os custos e revemos esquecemos os planos. Porque viajar (verdadeiramente) é saber que o que está à nossa frente será uma incógnita. Saber e aceitar esse risco - gostar e precisar mesmo desse risco. Os países - reais ou interiores - não podem ser definidos em mapas, em coordenadas de exacto cálculo. Dos mapas e desenhos de caminhos anteriores, apenas podemos intuir rotas e aventuras que outros, um dia, seguiram e recordaram. Mas cabe a nós saber em que momento devremos deixar de os seguir. Em que momento fugiremos do trilho que muito repetem, para desbravar o desconhecido. Para gravar no corpo e na ilusão uma jornada pessoal e (certamente) intransmissível. Se podemos viajar acompanhados? Certamente - mas só com a pessoa certa. Com asas certas. E com o mesmo brilho.

E, no fim de tantas palavras para falar de uma partida que se quer sempre natural, fica o indizível, o que não se clarifica mas que se deixa crescer e viajar até praias (re)conhecidas... como o título de um texto -  como a vontade de dar asas a um lugar que nunca deixou de ser habitado. A uma estória que está sempre presente. Um lugar-de-ficar que nunca deixou de verdadeiramente o ser. Mesmo quando as poeiras dos dias insistiram em esconder o que é (bem mais) importante. E aparecem já palavras que me-te-nos levam a outro lugar, a outros combóios e rios. E que o caminho continuou... continua.

R.

5 comentários:

Red Angel disse...

E tu és uma dessas poucas pessoas que sabem que o universo é bem maior do que os mapas mostram e as palavras descrevem ?
Já agora,alguma vez sentiste que a tua vida é isso mesmo,uma viagem?

Red Angel disse...

E tu és uma dessas poucas pessoas que sabem que o universo é bem maior do que os mapas mostram e as palavras descrevem ?
Já agora,alguma vez sentiste que a tua vida é isso mesmo,uma viagem?

angel_of _dust disse...

Existem muitos mapas. Uns já desenhados, revistos e decorados. Outros que ainda moram dentro de cada um. A vida - seja a minha ou de quem for - é realmente uma viagem. Mesmo que não tenhamos dado conta, as paisagens vão passando, os lugares se transformando. Cabe a nós reter as memórias e arriscar nas aventuras. Ou, então, deixarmo-nos estar parados e a viagem passa por nós. Sem que a consigamos agarrar.

c. disse...

Πελοπόννησος...?

As melhores viagens não são as que fazemos sozinhos, mas sim aquelas para as quais encontramos a melhor companhia, ou aquela com quem não temos de nos preocupar em ser outro que não quem somos cá dentro, onde ninguém nos vê, e nos atrevemos a sonhar mais longe do que podemos admitir. Pelo menos aos que nunca arriscaram partir com um passageiro desconhecido, que lhes ensine que as mais sinceras palavras são as que ficaram guardadas nos cadernos que ninguém viu - e que escondemos na estante - ou talvez aquelas que não precisaram ganhar voz enquanto partilhamos a estrada e contamos as estrelas. O mesmo caminho em que aprendemos a maior lição dos viajantes: esquecer os planos. Os mapas servem apenas para nos lembrarmos que há outro caminhos já desbravados, mas que só nos ofuscam quando queremos - precisamos - descobrir novos mundos. Para encontrar a estrada certa é preciso esquecer todas as vezes que acabamos em becos escuros e acreditar que por cada estrada torta há pelo menos uma outra que nos leva a mundos desconhecidos onde podemos reinventar sorrisos. E onde vamos sempre encontrar a paz que precisamos. Para sempre.

(à espera do próximo postal na volta do correio)

angel_of _dust disse...

... Ο δρόμος προς την Πελοπόννησο

O eterno viajante é aquele que aprende que todos os caminhos errados (ou que não levaram a lugares melhores) servem para aprendermos a ouvir melhor a voz que vive dentro da caixa-no-peito. Saber viajar é saber arriscar. Saber que as palavras "apenas" servem para dar o mote - que os silêncios são um maná desejado. Mas que apenas podem ser partilhados com quem saiba (verdadeiramente) escutar esses silêncios. Quando se viaja, aprende-se a tornar os lugares nossos e os companheiros parte do nosso corpo. E há um dia em que se percebe que mesmo as viagens adiadas não se esfumam - esperam noites solarengas e marés a preceito.