13 de outubro de 2016

Chega a hora do silêncio

Chegam as horas da noite e começa o silêncio. O silêncio que sempre procurei - ou melhor, que nem sempre procurei, mas que sei (finalmente) ser a lenha que aquece e alimenta esta minha vontade de ser mais que... que o mero atravessar de ruas claras e vontades difusas. Para quem sempre usou as palavras como chave para todas as portas, o silêncio foi impondo a sua força de forma que não consigo resistir. Ou talvez não queira resistir - provavelmente, finalmente consegui aceitar que as melhor palavras, as frases mais poderosas, os discursos mais pungentes e convincentes, todas as semânticas e gramáticas são efémeras... só o silêncio fica. Só o que não se diz, mas que se sabe estar a ser sentido, só o indizível permanece gravado em nós. Em teoria, sempre o soube. Sempre adivinhei que não haveriam palavras que pudessem definir o que somos cá-dentro. Sempre percebi que as palavras são demasiado muito directas - e, por isso, pouco dadas à ilusão e ao sentimento. Porque afirmam ao invés de induzirem - porque terminam o que se quer aberto - porque gravam o que se quer etéreo. Sim, não há palavras que possam desenhar todos os traços e cores e cheiros e sons e texturas do eu.

Mas porquê recear então o silêncio? Porquê, sabendo que ele é tanto, tremer quando há demasiado tempo as palavras não aparecem? Este fado de sentir sempre o coração a querer falar - quando o seu bater diz bem mais - faz-se barreira para que possa conviver bem com o apenas-estar, com o apenas-ser... com o tanto-sentir. É esse o estorvo - a ina(p)ta capacidade para encher o espaço e o tempo com as palavras. Algumas que tudo transformam, que fazem brotar rosas em pedras. Mas outras que apenas servem para mascarar tremendas ausências, vazios que resistem ao ao não-parar-de-falar. É essa inquietude que (inconscientemente) me vai impedindo de avançar.

Melhor, que me foi impedindo de avançar. Seja em que direcção for. Chega a hora de aceitar-querer-abraçar o silêncio. Não esperar que as palavras me digam o caminho. Calar-me, fechar os olhos e... escutar o distante eco das ondas a beijarem a praia... saber onde o orvalho nasce nas montanhas. Parar - respirar - voar. É agora a hora do silêncio. E o momento da ilusão. Mas daquelas que se agarram com as mãos e não com o pensamento.

R.

2 comentários:

c. disse...

(chega a hora de aceitar que - às vezes - não há nada que as palavras possam acrescentar. de aceitar a imprevisibilidade dos dias. de baixar a resistência ao indizível. de desistir do movimento continuo. e de mergulhar no espaço do incompreensível. chega a hora de perder o medo de voltar a escrever incessantemente. mesmo que sem palavras. em silêncio.)

angel_of _dust disse...

(chega a hora de voltar a sentir a areia nos pés - o orvalho nos ombros - a brisa da noite nas montanhas de neblina. chega a hora de perceber que o tempo não apaga o que fica gravado na pele... uma cicatriz-sorriso, que nunca dói e sim alimenta.)