4 de novembro de 2016

Afirmação-contrato [sobre as alturas que chegam #2]

Sobre o tempo que se demora. A decidir. A avançar. A perceber. A aceitar... que falo demais - ajo de menos. Que sei muito - pouco concretizo. E a contagem do tempo que passou ganha agora um peso que custa a carregar.

É estranho ser alguém que só encontra paralelo numa imagem criada em palco. Como um Hamlet que sabe que o seu pai foi morto por mão criminosa, que sabe quem culpar por tão vil acto, que afirma ser dono do seu destino, que abraça a vingança como seu ofício... mas que tarda em fazer-acontecer. Eu sou assim. Tardo. Espero. Adio. Sou um poço de palavras, uma fracção de dicionário, uma enciclopédia de palavras bonitas. Mas, quando a matemática da acção e do sucesso é calculada, sou bem pouco - uma fracção. Uma promessa de ilusão - uma prova de que a vontade tem de dar a mão à coragem. E ambas têm de ser acção.

É esse o fim de capítulo que leio nesta noite que antecipa o inverno. Nesta varanda onde vejo a cidade-que-nunca-dorme, uma cidade que achei já conhecer. As varandas mudaram, as asas (ainda) não. Varanda(a) onde me habituei a olhar de fora e aproveitar as gotas de orvalho que pousavam nas asas cansadas. Onde já ousei voar - mas onde me sinto, agora, parado. Como se as palavras estivessem a perder sentido. Numa neblina que vai surgindo no horizonte e, pouco a pouco, engolindo tudo, as palavras são apenas palavras.
Retido. Sentado e olhos bem abertos. Palavras antigas lidas e retidas. Cadernos já coçados na mão. Antes, nem sei bem quando, fui contentando a minha ansiedade de ser mais que seja-o-que-for com palavras bonitas - líricas mesmo - e viagens fugazes a territórios desconhecidos. Que sabiam bem, mas ficavam pouco. Mas, na estranheza de um anjo que fala muito [terão sido palavras a mais? teremos confundido tudo?] e que diz tantas palavras que sabem-bem-e-embalam-tanto, acho que terei investido tão pouco em deixar semente. Em plantar algo que pudesse crescer e ser flor-resistente-às-intempéries. Soube aproveitar bem as fugas e as aventuras. Gravei no meu corpo as marcas, os sons, os sabores... os ligeiros tremores de lábios. Mas algo impediu sempre que a flor fosse floresta. Que soubesse agarrar com o corpo-hesitante o que o corajoso-coração me apontava. Houve um tempo em que perdi forças a tentar perceber que me tinha afastado do que verdadeiramente queria. E nenhuma resposta me contentou.

Isso vai ter de terminar. A incerteza (afinal) não sabe assim tão bem. Os anjos estão ancorados, inevitavelmente, ao risco e à ilusão... mas só sabem abrir as suas asas em plenitude quando sentem que há um caminho a percorrer. Com outras asas que saibam voar numa cúmplice dança. E logo eu que tenho dois pés esquerdos. Demorei tanto-demasiado tempo a percebê-lo. E, nos tempos que correm, perdi a certeza de não ser tarde demais.

Há que agir. Arriscar as perguntas. Cumprir o caminho que me indica o farol-alma que tanto me tem colocado rasteiras. Mas que sabe sempre o que quero. Mesmo (principalmente) nas alturas em que duvido. Desculpa não ter prestado a devida atenção - mesmo quando tinha a incerteza que a tua voz era bem mais clarividente que a minha. Perdi tanto tempo - e perdi... caminhos e memórias do que podia ter sido. Nada posso quanto a isso. Mas posso, neste momento, ser melhor. Agarrar na poeira dos dias que passaram e mergulhar. Nas areias das praias. Nas montanhas dos silêncios. Nas palavras que verdadeiramente nunca se disseram. As linhas poderão estar já quebradas - as viagens que comecei (e interrompi) poderão ter já terminado. Mas não se re-aprende a voar sem enfrentar que as estórias terão(?) continuado sem nós. Não se é mais verdadeiro-real-eu sem saber que muito se pode perder... Mas há tanto ainda para ganhar.

A caminho do risco,
R.

6 comentários:

c. disse...


l'homme de verre: Et bien je crois que le moment est venu pour elle de prendre un vrai risque

Amélie: Justement, elle y pense. Elle est en train de réfléchir à un stratagème

l'homme de verre: Ah elle aime bien ça les stratagèmes! En fait, elle est un peu lâche. Je crois que c'est pour ça que j'ai du mal à saisir son regard


(onde te levará o risco? ou o que é afinal a vida sem a emoção de voar sem rede? :) )

angel_of _dust disse...

homme-ange: pour bon auditeur, parfois pas tous les mots viennent [google translator]

(o risco terá de (me) levar a parar de (tentar sempre) compreender e analisar, para passar a estar mais e fazer mais... recuperar o que ainda for recuperável - construir o que estiver por fazer)

angel_of _dust disse...

há areias na minha casa...

c. disse...

perdemos demasiado tempo a pensar, a tentar compreender,a arranjar estratagemas para adiar o dia de baixar as resistências e assumir o papel principal.

guarda(me) numa caixa. a areia :)

Unknown disse...

Devemos arriscar sempre para tentar realizar os nossos sonhos.Desistir de sonhar nunca.

cobradora-de-promessas disse...

(ainda estou à espera das areias...)