24 de junho de 2010

A estação

Existe um banco numa estação. Onde te espero. Um banco numa estação de comboios. O que é importante. Que a estação seja de comboios. Porque sempre gostei. De viajar. E sempre adorei viajar de comboio. E de ver. De estar. Ali. Perto deles. No repouso das viagens. Para mim, as estações de comboios são a promessa de novas aventuras. Para lugares que vêm nos mapas. Para tantos outros que (apenas) existem dentro de nós. Na alma. São a promessa de galgar quilómetros. De paisagens passarem do lado de fora da janela. São a promessa de outras viagens. De cruzar mundos na nossa imaginação. De inventar imagens - colori-las com os tons da nossa ilusão. Por isso, um banco numa estação - de comboios - é algo importante. Para mim. Como uma porta para algo novo. É a fronteira. Entre o estar. E o partir. O esperar - e o arriscar. E por isso, é o lugar indicado para que as nossas mãos de encontrem - e as asas se toquem. Porque é o lugar perfeito para saltar do ficar para o voar. Para nos deixarmos ir.

E assim, espero. Vou aguardando sentado neste banco. E os comboios chegam. E partem. As pessoas chegam e partem. Ora apressadas. Para chegarem ao seu destino. Outras com o vagar de quem está certo de que (finalmente) chegou. A casa. Ao fim. Ou a um novo começo. E eu - que não vou a lado nenhum - espero. Vou deixando o tempo passar. E a tua ausência se fundir nos carris. E nos cafés e lojas que vão fechando com o cair da noite. Enquanto não (me) decido. Partir ou ficar. A estação é, por enquanto, para mim como uma praia deserta. Onde apenas eu conto. Em ondas, esta praia vai enchendo-se de vida. Em ondas, logo após esvazia o seu corpo. E eu, com os pés bem afundados na areia desta estação… eu espero. Sem saber. Se mergulhar - e entrar neste vai-e-vem de pessoas e de viagens. Ou ficar na margem - neste meu ofício de observar.

Na verdade, até gosto de estar aqui. Nesta praia - que é uma estação - que é de comboios. A minha mente viaja. Dando descanso ao corpo. Vou revendo palavras que trocámos. Imagens que pintámos a dois. E as palavras - e as imagens - tudo se dilui no cinzento da pedra. Cada comboio que chega ou parte. Cada pessoa que passa. Cada um é uma estória, que vou inventando para compensar a tua falta. Cada um é mapa para as minhas viagens da alma. Como se vestisse bonecos, voltando à infância. A cada um invento uma vida. Desenhando memórias. Minhas-deles. A cada um imagino esta estação - esta viagem - como sendo um momento de mudança. Que o antes e o depois serão bem distintos. E que eu poderei para sempre lembrar que a vida de alguém mudou perante a minha sombra num banco de estação. Que fui testemunha acidental. Fotógrafo presente, mas desconhecido. Para cada um tenho o toque de Midas. Um milagre que (me) satisfaça. E a vida deles deixará de ser tão cinzenta. E a minha vida não será solitária. Não contarei as horas, sem lhes dar sentido. Porque estes passageiros do meu comboio de emoções habitam mundo ficcionados dentro de mim. São parte de mim. E eu sou o seu universo.

Existe um banco na estação de comboios. Onde te espero há muito. E máquinas que chegam e partem. E pessoas. Muitas pessoas. Que começam - ou acabam. Aqui. E fora deste lugar de passagem deixam de existir. Porque deixam de me interessar. Porque sim. Porque eu quero. Porque esta estação é o meu recreio. Da alma. Uma máquina do mundo à minha medida. E eu - aqui - sou um deus. Assim, com letra pequena. Do tamanho do banco onde me escondo. Mascarando a tua falta com jogos de fingir. Mas finalmente chegaste. E o tempo que demoraste não interessa. Porque estás aqui. E porque, de repente, deixei de precisar de divindades e mundos de faz-de-conta. E voltei a ser apenas um anjo. Que há muito te esperava. E que esqueceu todas as palavras de ocasião que tinha ensaiado (não muito, admito). E que agora, apenas terá de confiar na sua vontade de se iludir. E esperar que isso seja suficiente.

R.

1 comentário:

farfalla disse...

gosto dos antigos bancos de cabedal... onde tantos que não fui eu já estiveram... das janelas com o vidro riscado por tantos que já olharam e não viram... tantos que não fui eu...

hum...

baci