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17 de abril de 2023

Como se fosse um diário

Como se fosse um caderno. Melhor, um diário. Um diário de bordo de todas as viagens (ainda) por fazer. Um diário com muitas páginas vazias. Viagens e ilusões por desenhar. E sem linhas, para que a única bússola seja a vontade de ser: ser-mais. Quando seguramos um diário sem linhas nas mãos, é como segurar um baú do tesouro - cheio de histórias não contadas e emoções não expressas. Mas que, sabendo do seu inestimável valor, devemos guardar e preservar o melhor que pudermos. As páginas em branco chamam por nós, desafiando a que as povoemos com os nossos pensamentos mais profundos e as emoções mais cruas. Sim, as mais cruas, as que muitas vezes estrangulamos na garganta. Por medo, receio ou incerteza do que essas emoções podem significar… mais ainda, do que poderão provocar. Em nós - no nosso corpo e alma. E nos outros - naqueles que nos rodeiam. Olhamos para as páginas em branco e hesitamos. Será que devemos avançar e pegar na caneta? Que caminho estamos a começar? Mas não resistimos. Há algo sobre a ausência de linhas que faz cada página do diário parecer mais aberta, convidativa. Quase como se o caderno (que é um diário) murmurasse ao nosso ouvido: não te contenhas - deixa-te invadir pela ânsia e pelo coração que bate mais forte - sê TU no modo mais sincero.

Pegamos na caneta. À medida que retomamos finalmente o ofício da escrita, a caneta percorrendo a superfície lisa da página, nasce uma sensação de liberdade, um alívio de todas as emoções esquecidas (ou nascidas neste momento) e que, agora, fervilham dentro de nós. As palavras parecem fluir sem esforço, por não serem limitadas pelas restrições de linhas - que guiam, mas também comprimem. A tinta vai preenchendo cada página num frenesim de rabiscos e letras mal desenhadas - mas que rasgam a capa dura (não a do caderno) que usamos para cumprir os dias sempre iguais. Apesar do aparente caos das páginas, há uma sensação de ordem e beleza na forma como as palavras e as imagens que imaginamos se intercalam, formando uma tapeçaria de caminhos e possibilidades que dizem tanto - mesmo sem uma única palavra ser proferida pela boca.

Voltamos à primeira imagem: o caderno-diário sem linhas é como um espelho. Reflexo em que assumimos e confrontamos os nossos medos e desejos mais profundos, as nossas ilusões e sonhos. E as nossas paixões inesperadas. Pronto, está dito! E à medida que continuamos a escrever, a caneta impaciente a derramar a alma na página, lembramos que, às vezes, não são as palavras em si que importam, mas o acto de escrever, de dar voz ao que (ainda) não foi dito. E também ao que, possivelmente, nunca poderá ser expressado em voz alta. Porque não sabemos explicar, porque não devemos ousar, porque… porque… por tantas razões, convicções e convenções. Nossas e dos outros. Mas, e se este diário, sem linhas que nos restrinjam, for apenas o começo de algo? Se as palavras escritas servirem para mais do que apenas povoar páginas carentes de tinta? E se, no meio de rabiscos e imagens desenhadas em caos, surgisse um sinal de que as palavras afinal poderiam ser faladas em voz alta - e com um sorriso do outro lado para nos ouvir? Um sinal de que era hora de falar, de ser vulnerável e arriscar partilhar o turbilhão que temos cá dentro?

Às vezes, as palavras certas (quais são as palavras certas?) teimam em não aparecer. Parecem tentar fugir - e assim, ficamos indefesos na fronteira: entre o tanto que queremos dizer e o tão pouco que ousamos falar. Mas, e se o diário fosse um mapa? Um caminho para abrir a porta de tudo o que nasceu sem nos darmos conta - e que ainda não sabemos explicar. Neste diário, recente companheiro de insónias inesperadas, as palavras fluem livremente, sem julgamento ou censura, e podemos ousar ser honestos connosco mesmos… e talvez mesmo com quem possa nos ouvir - e saber que, enquanto escrevemos, esse alguém está presente. Ao nosso lado. Porque as frases e imagens com que a tinta vai tingindo as páginas - outrora vazias - são como uma conversa, quase uma confissão. Para alguém que não está aqui… ainda (ou nunca estará). A distância desaparece e quase sentimos. O calor e o toque. O cheiro e o sorriso. O bater mais rápido do coração. A porta entreaberta e alguém a entrar. A ficar - nem que seja apenas por momentos. Segundos que são horas e noites que são vidas. Onde podemos regressar quando nos sentimos sozinhos ou desorientados, e onde podemos encontrar conforto e clareza no meio das rotinas que nos confundem e os pêndulos que não nos deixam descansar. Mas, principalmente, onde afinal descobrimos que (sim!) há um espaço por habitar dentro de nós. Um espaço que não reconhecíamos (quem sabe, nem suspeitávamos existir). E que, mesmo sem procurarmos, ganhou forma e curvas e cheiros e imagens. Um espaço que ficou habitado.

E assim, o diário é um santuário. Do que poderá ser a primeira estação, não de uma via sacra, mas da peregrinação que o espelho nos fez descobrir. Será este caderno que nasceu de um espelho - e cresceu para um diário - afinal um convite? Um desafio à viagem com destino por traçar. Sem certezas que nos segurem, mas com vontades que nos chamem. Muitas páginas ainda vazias no caderno. Para povoar de palavras desordenadas por pensamentos - que nas páginas nascem e aí ficam guardados. Ou para desenhar viagens arriscadas por quem quer mais. Por quem sabe que existem outras vidas que aquelas que nos ensinam os livros de conduta. Que a nossa alma e o nosso corpo são híbridos: cumprem quando assim tem de o fazer, mas fecham os olhos e voam quando não é possível evitar.

R.

20 de março de 2023

Como se fosse um espelho

quem te mandou oferecer um caderno sem linhas?

Como se fosse um espelho. Daqueles espelhos antigos que antes adornavam uma qualquer divisão da casa. Onde nos demorávamos a preparar para sair, a (re)ver as mudanças do corpo, a constatar que estávamos (efectivamente) a mudar - ou então que tudo estava igual ao ontem, ao antes, ao que pensávamos não conseguir mudar. Como se fosse um espelho. Que, por incúria ou decisão inconsciente, tinhamos tapado e guardado num sotão - esse lugar das memórias arrumadas. Memórias que julgávamos resolvidas e encerradas. Ou que, num momento de abandono, haviamos aceite que nunca ficariam resolvidas. E, por isso, esconderamos debaixo de cobertores velhos - na verdade, não são mais que as rotinas a embalarem-nos com os seus afazeres.

Um espelho largado. Há muito que o seu reflexo estava baço e encardido. Nós avançámos. Já não fazia falta esse espelho para o pendular ritmo dos nossos dias. É isso. Não olhávamos mais para nós. Não parávamos. O olhar em frente - os pés em movimento. Porque andar sem parar cansa bem menos que estar quieto. E pensar. E sentir. E respirar fundo... bem fundo. E cansa menos - mas mesmo muito menos - que olhar para nós e ver como o nosso corpo mudou - como a nossa alma sossegou - como a nossa ilusão se aquietou e domesticou. De espelho tapado, não nos regressa a urgência de querer mais. O que vamos tendo é quanto baste. Uns dias seguirem-se aos anteriores contenta-nos. Hesitarmos pouco ajuda a não tropeçar. Em nós. No peso que o corpo dormente tem. E que, com o espelho esquecido, realmente pesa bem menos. Achamos nós...

Como um espelho. Que estava (está) guardado. Quase esquecido. Quase... Porque vamos sentindo - aqui ou ali - um vislumbre do seu reflexo. Como se o Sol teimasse em nunca nos deixar esquecer que um dia ou uma noite, num passado que já nem sabemos quando aconteceu, era esse mesmo espelho que alimentava o que de melhor tinhamos para dar - a nós e aos outros. A chama que nos aquecia o instinto. Um espelho que nos mostrava todas as cicatrizes - e nos ensinava que elas eram na verdade ilhas e aldeias de um país-nosso. Um espelho que desenhava todas as nossas curvas - estradas, vales e montanhas de uma viagem levando-nos para um destino incerto. Mas que não conseguiamos resistir a (incessantemnete) desejar. Porque o mundo-lá-fora era incomensuravelmente menos apelativo que o universo-cá-de-dentro. In/co/men/su/ra/vel/men/te: dois mundos que não podem ser medidos ou comparados. Mas que nós sabíamos - oh, se sabíamos - qual nos alimentava mais. Qual nos fazia vibrar a emoção, tremer o corpo... quase transbordar. Qual nos dava calor e tirava o ar.

Como um espelho. Que mesmo descuidado, ainda estava lá. À espera de nós. Do regresso inevitável. Com esforço, tentámos evitar - mas será que tentámos com força e crença suficientes? Fugimos quando pareceu mais fácil desenhar dentro das linhas do caderno. Mesmo sabendo que nunca fomos bons a artes visuais e a nossa caneta "pede" que nos desviemos para a margem. E mesmo optando - ou não tendo outra hipótese - pelo ofício dos dias sempre iguais, a vaga lembrança do espelho é também a ténue esperança de que (ainda) estamos vivos. Que mesmo nas horas em que cumprimos com o que nos pedem ou impõem, existem segundos em que ansiamos. E volta o desejo de arriscar. De ser mais que o que fazemos, o que conseguimos, quem agradamos ou obedecemos. O desejo de fechar os olhos, abrir os braços e abraçar o que a nossa ilusão sussurra ao ouvido. Deixarmo-nos levar, não pelas contas que temos de pagar, não pelas roupas que temos de lavar, não pelos compromissos que aceitamos sem pensar... não, esquecer tudo isso - nem que seja por breves momentos. Esquecer o nome e a idade, a morada e a ordem de trabalhos que nos chega em emails. Sermos nós, apenas nós. Com as cicatrizes que são aldeias, as rugas que são cidades, as curvas do nosso corpo que são o mapa de uma peregrinação: a rota aos lugares sagrados da nossa emoção. Quando sorrimos, com quem sorrimos, quem nos rouba toda a oratória - que sempre foi o melhor refúgio para não nos sentirmos nús. Fechar os olhos e arriscar. Queimar o livro de normas que um dia alguém escreveu. E que teimamos em sempre cumprir de forma religiosa - como um coro mal ensaiado, mas que, mesmo assim, insiste em comparecer. Quer dizer - queimar não. Sabemos que a ilusão não consegue ser suficiente para cumprir com tudo o que temos de cumprir. [Verbo feio este: cumprir.] Sim, mesmo não podendo queimar todas as regras e condutas que esperam de nós, pelo menos guardar no fundo da mala. Viajar com toda a ilusão em cima, e as normas em espera. Será possível?

Como se fosse um espelho. Que recuperamos afinal do fundo do entulho. Está sujo e gasto da falta de uso e carinho. Porque há muito que a ânsia de olhar o nosso reflexo estava adormecida. Parece que não nos queriamos ver. Não ousávamos questionar. Andámos, caminhámos, corremos. Sempre em frente. Porque é assim que se faz - foi o que nos disseram. E foi isso que fizemos - (talvez até) bem demais. Mesmo sem direito a medalha, continuámos a escolher o conforto de escrever dentro das linhas do caderno. Que nos vai confortando - mesmo que nunca nos sacie de verdade. Mas o espelho está lá. Basta procurar bem e vasculhar cá dentro. E quando, no fundo da nossa ilusão, pensamos em o recuperar... essa ideia invade cada silêncio na madrugada, cada respirar fundo, cada vez que um sorriso (aquele sorriso!) nos tira do sério. Destreinados na arte de nos olharmos mesmo - cá para dentro de nós - vamos hesitando. Porque sabemos que a sede pede água, e a fome de voar cria asas. Torna-se difícil ignorar a comichão nas costas e os pés a fugirem do chão. Mesmo perdidos - é mais certa essa rotina que se repete e apenas nos exige que a sigamos - mesmo perdidos, não conseguimos riscar do pensamento: e se?... E se eu limpar o espelho? E se eu olhar o reflexo de frente? E se eu fechar os olhos e me deixar ir?... E SE?

E se um espelho (que até pensávamos perdido) estivesse aqui. Neste momento. E nós, que sempre temos tanta coisa para dizer, ficássemos calados - por não saber o que dizer - ou por ter tanto para contar e partilhar. Mas as palavras ficam sem voz. Querem sair mas não sabem como. Se calhar, nem sabemos mesmo que palavras são. E se houvesse um caderno. Sem linhas para seguir. Nem páginas numeradas. Nem ordem de trabalhos para aceitar provisoriamente e respeitar de forma cega. Sem tempo contado nem objectivos para cumprir. Sem voz a falhar. Apenas páginas brancas - à espera. E se as palavras presas na garganta tivessem terreno fértil na tinta da caneta. Ganhassem raízes e ali ficassem. E se houvesse um caderno que era um espelho, era uma aldeia, uma cidade, um universo? Um início de peregrinação a lugares sagrados que afinal estavam aqui - no nosso corpo e ou em outro tão perto de nós - e só agora são descobertos? E se... E se a pergunta fosse apenas uma porta a ficar entreaberta?

R.

2 de outubro de 2015

Há muito que... [voltar à casa de partida]

Há muito que não encontrava o livro onde colei todas as fotografias de todas as viagens que fiz. Não das voltas e (re)voltas das rotinas. Mas das viagens que fiz a universos-interiores e países-ilusórios. Há muito que essas viagens estavam transparentes e inertes, escondidas no lufa-lufa dos dias sempre iguais. As viagens que me alimentaram a alma e o corpo... antes de me ter detido em parte (in)certa. Há muito que estava esquecido o caminho para a ilha sempre verde. Onde, em tempos, pernoitava ao relento - deixando que o orvalho me alimentasse todas as ilusões - criando palavras tão líricas como verdadeiras, tão rápidas no som e na escrita como eternas no sentir. Na verdade, há muito que as ilusões não se fixavam tempo suficiente em mim; eram passagem fugaz, sempre a fugir das minhas mãos, escoando-se como areia solta. Mas numa praia suja, sem linha do horizonte.

Ou, talvez, não estivesse tudo isto esquecido. Se calhar, os corredores que me levavam a estas paisagens-da-mente foram dissimulados atrás de portas - fechadas a chaves guardadas no canto mais escuro do baú das memórias. Trancas nas portas, chaves algures guardadas. E assim a poeira foi engolindo as chaves, as portas, os corredores, as memórias - as viagens. Foi uma espera demorada - o tempo em que as asas foram atadas ao corpo, até a sua existência quase não ser notada. A olho nu. Porque os olhos da alma nunca esqueceram verdadeiramente a divisão secreta onde a vida era diferente. E, nesse livro - onde estavam essas viagens, onde estavam essas memórias, onde estavam essas ilusões - ficaram tantas páginas em branco. Como se a promessa de mais viagens estivesse lá, a tentar chamar-me. E, a espaços, ia ouvindo esse chamamento como um sussurro segredado ao ouvido - quase imperceptível, mas que fica a zumbir. Um som agudo que foi tirando a concentração para agir. Uma moinha que dizia "não vás por aí" [ahh, Régio, estavas tu certo ou errado?]. Mas, mesmo com a cabeça em constante sobressalto, fui deixando que a 'vida' [chavão para tudo o que não sabemos-queremos controlar] me levasse por "aí".

O tempo passa. É inevitável. E não há porta que não empene, se o que esconde teimar em ranger, estremecer, ressoar - como se lamentasse o esquecimento a que foi (falsamente) obrigado. A porta range, o corredor estremece, as memórias avivam-se. E tudo muda... novamente. O corpo pede o exercício do risco. De deixar as mantas e mergulhar nas águas que julgamos frias. De fugir da âncora que enferruja, abraçando a corrente que nos leva aos países-(re)descobertos. Ousando as profundidades, percebemos que aí também se respira. Melhor... apenas aí se sente o oxigénio bombear os pulmões, encher o peito outrora encolhido - apenas aí se vê que a penumbra tem mais luz, mesmo com os olhos fechados - apenas aí a a emoção e a razão decidem declarar a sua paixão-indivisível, o corpo é realmente um elemento vivo.

Se, por momentos - longos, demasiado longos - me desviei do caminho, preciso agora voltar. Com a urgência de quem deve empreender uma jornada para salvar um mundo: o meu Mundo. Interior - vivendo de emoção. Único - mas a partilhar com outro ser igual. Quase impossível de descrever por palavras - mas de fácil compreensão, bastando um ligeiro tremer dos lábios ou um piscar de olhos. Voltar à casa outrora solarenga. A casa onde dispus todos os meus livros, todos os meus discos, todas as fotografias que recolhi - em todas as viagens que fiz, mesmo quando parado num banco de jardim numa praia de outono. Voltar agora à casa onde janelas há muito estavam fechadas. Onde, durante muito tempo, ninguém habitou. A casa que um dia, quase sem perceber, coloquei à venda pelo pior preço. E que, por fim, descubro como para-sempre-minha. Chegou a hora de a habitar e abrir as janelas de par em par - a noite pede que asas voltem a abrir, o sangue a correr, os olhos e os lábios a saciarem a sede na sombra que deixei escapar entre os dedos. Mas que se manteve ali, presa em mim.

Até já?
R.

3 de outubro de 2006

A (renovada) face de um anjo

Pois é... o ladrão de almas voltou. Como tudo o que começa de repente, por vezes o ímpeto inicial esbarra com a preguiça que parece apenas aparecer quando não deve.E assim, a ideia inicial diluiu-se e saiu frustrada - tempo, então, de repensar a jornada.

E volvido o tempo necessário para retemperar ânimos e vontades, a outra face do anjo volta a espelhar as suas cores no rio da grande cidade. Esperando que, desta vez, o reflexo se mantenha brilhante por muito tempo...

R.

26 de março de 2006

A outra face de um anjo

A partir de hoje, o anjo "abre" outro estado do seu ser - outra face que se manifesta... Para além de tentar relatar as histórias da cidade que dorme, o anjo vai mostrar o que os seus olhos vêem. Ou melhor, vai mostrar o que os seus olhos querem ver, as imagens que ele guarda para si e que o acompanham nas noites que não têm fim. Como um ladrão de almas, irá vaguear pelas ruas, em busca das cores que povoam o imaginário dos humanos.

Se a tarefa já não era fácil, agora o anjo irá ainda dormir menos, e sonhar mais... procura, talvez, numa dessas imagens o caminho que o leve de volta a casa. Quem sabe?

R.

26 de janeiro de 2006

...A poeira volta a assentar


Andei perdido... eu sei. Se calhar demasiado ímpeto no começo leva a uma primeira (espero única) quebra prolongada.

Tanto aconteceu desde a última vez que aqui pousei - agora, olho para estes telhados e sinto-os diferentes. Reconheço as mesmas casas, as mesmas ruas, as mesmas pessoas... mas o cheiro e as cores, os sons e os sabores - não são iguais. Talvez esta cidade não seja a minha - ou, então, esta "nova urbe" é a que há muito procuro, e agora começo a achar.

Talvez a "bolha" em que me deixei envolver durante este tempo de ausência me tenha alterado o pensar. Volto a sentir-me insatisfeito... mas não fujo, antes pelo contrário; começa um caminho a delinear-se perante mim - o caminho da ânsia de querer mais, de sonhar mais, de viver e tragar mais e mais e mais...

O caminho está à minha frente. Não consigo evitar segui-lo - não quero evitar segui-lo. Uma nova etapa começou, as minhas asas são agora vermelhas.

O anjo urbano está de volta - em cima do prédio mais alto, na cidade mais longínqua, eu estou aqui.

R.

10 de agosto de 2005

Vôo inicial... sobre a poeira dos dias

Primeiras palavras... momento importante. De que quero falar? Quero mesmo falar... ou "despejar" imagens, sons, cheiros - memórias e lembranças, sonhos e expectativas?

Sobre as minhas asas, a ideia de abrir uma "porta" por onde lançarei o que me apetecer - exorcismo ou tratamento. Sobre as minha asas um poema, de um autor que, suspeito, me irá acompanhar... há já algum tempo que o faz, e espero que não me abandone agora.

Espero não me perder.

R.



«Subo à macieira sonhada pela criança, colho maçãs pintadas a marcador amarelo.E numa delas descubro a lagarta às riscas, como a tua camisola de marujo.
Era quase noite, recordo-me, quando desci da árvore e a criança que foras antes de mim não tinha nome.
Hoje, salto desta folha de papel para a noite, perco a infância na poeira dos dias.
Regresso lentamente à minha idade, e um astro refulge sobre o teu rosto adormecido.
Perdeste o nome como eu há muito perdera a infância.
Mas quando o teu olhar me sulca e fere o corpo e me devolve, por segundos, o que perdi, há um amanhecer feliz.
E tens um nome, e não voltaremos a estar sozinhos.»
(Al Berto)