30 de outubro de 2015

Voltar às areias

Voltar a pisar as pegadas. Que mesmo invisíveis pela acção do vento e das marés - estão lá. Guardadas na alma das areias. As pegadas. O banco. O mar. O passeio de cimento onde a vida não passou por umas horas. Voltar a estar ali. No cais de embarque para a ilha imaginada - onde lancei amarras e, de olhos fechados, deixei que a emoção me levasse.


Estar de volta - e sentir que a praia ainda ficou é minha. E, por isso, preciso voltar. Voltar a correr atrasado. Chegar lá... sentar-me no banco e inspirar bem fundo. Estar de volta ao que (pensava eu) estava perdido. A sensação. A ilusão. O querer estar-ser-arriscar mais. Todas as jornadas exigem uma partida. Um soar da buzina que nos impele a começar - andar - sonhar - viver. E não quero posso adiar mais. Preciso sentar-me lá. No limiar entre a praia e a cidade. Onde os silêncios me souberam tão bem. Onde um olhar e um ligeiro tremor de lábios disse mais que centenas de compêndios e filosofias de trazer-por-casa. Ver se o banco ainda permanece. Se ainda guarda o nosso lugar. Habitar nele nem que seja por momentos. Descalçar-me e enfiar os pés na areia fria. Matar as saudades que sinto dela. Da areia. E ver, ao longe, os barcos a passar. Agora, como antes, já não desejar partir neles - porque a minha viagem era (agora) aqui. Matar as saudades de estar alerta - presente - audaz - vivo.

Passou tanto tempo (demasiado?). Uma vida inteira se desenhou desde esse momento. depois da ilusão, deixei-me perder. Nas cinzas dos dias sempre iguais - no deve-fazer e tem-de-querer. Estória passada. Páginas escritas e agora guardadas - com todos os sucessos e angústias. Mas urge, agora, fazer o caminho de regresso. À praia. Curioso... sinto o frio na espinha da primeira vez. Como se novamente estivesse atrasado para uma ilusão (tão) desejada. Tão (mal) planeada - lembro-me. Mas que - mesmo sem guião - foi palco e enredo para uma estória de emoções. [Sabes?... ainda vou descobrindo grãos de areia dessa noite espalhados pelo meu corpo - sabores de sal a temperar o bater do coração] Voltar lá é, agora, inadiável. Uma exigência - um plano de governo para uma ditadura da alma e do sentir. Voltar. (Mais uma vez) sem guião. (Mais uma vez) lançar-me no desconhecido. Fechar os olhos verdes e abrir o peito. Chega de estar parado - de sentir que fechar as asas sobre mim é melhor que arriscar. Não é - (já) não tenho dúvidas.

Por isso, volto. Não na minha cabeça. Mas o corpo precisa mesmo de regressar. Estar . Onde o coração bateu mais forte. Onde as palavras se perderam porque não eram essenciais. Estar . E, talvez, olhar em volta e dizer: valeu a pena - todas as curvas e contracurvas - todas as hesitações e (quase-)desistências - todos os dias cinzentos. Valeu a pena fazer a viagem pela terra cinzenta. Para que - com a certeza que todos os que acolhem o coração nas mãos - volte à praia. E, novamente, recomece a voar. E assim estarei. E assim farei. Não me lembro da hora marcada, não em lembro de quanto me atrasei (foi muito?). Mas, na noite em que alguns dizem que os espíritos se levantam, eu estarei lá - a re-erguer a minha vontade. Com todas as palavras - ou em silêncio. Com a areia. com o banco. Com o mar. Comigo... connosco.

Estou a caminho,
R.

4 comentários:

c. disse...

(a que horas se põe o sol na tua praia?)

angel_of _dust disse...

(coloco a mão dentro do peito - e procuro o meu-sol que renasce lá dentro. estou ainda a retomar a velocidade de voo... por isso, a minha noite de ilusão, em que me sentarei de pés na areia irá tardar umas longas quatro horas após o Sol que decide que o dia se pôs.)

p.s. até para as ilusões, uma pesquisa virtual ajuda :)

c. disse...

(vamos ver onde me leva o fuso horário do meu país)

angel_of _dust disse...

(O importante é deixar que os nossos ponteiros avancem ao ritmo da emoção de cada um - mas, inevitavelmente, temperada pela razão - o tempo não foge, ele deixa -se compassar pelo ritmo próprio da estória)