As minhas letras com vida. Nunca pensei que as minhas letras servissem para algo mais que espelhos para me olhar. Não vejo nelas qualquer utilidade que não seja fechar a minha Pandora (a tal da caixa...), cerrá-la bem dentro - se bem que estas letras são transparentes, deixam ver o que se esconde por detrás. Mesmo assim, foi com espanto que me pediram se as minhas letras podiam ser o início de qualquer coisa, um motivo para criar um objecto; neste caso, um percurso de teatro.
Mas porquê as minhas palavras? Que têm elas para serem princípio de qualquer coisa maior? E logo teatro, movimento - acção. Logo eu que amo contemplar o nascer e pôr do sol, sempre do telhado do mesmo prédio. Logo eu que amo a quietude da noite, o silêncio sepulcral das vidas vividas na penumbra dos candeeiros. Fiquei mais descansado quando me disseram que elas não seriam, de modo algum, respeitadas. Ao invés, seriam esventradas, trocadas, cortadas e recoladas num caos organizado. Aceitei. Se as minhas palavras interessam, pois usem-nas - foi o que disse.
Devo dizer que me senti lisongeado. Alguém aceitar a minha cidade é alguém aceitar-me a mim. E, como qualquer anjo caído, necessito de aceitação - mesmo que não o admita. Também gostei de saber que as minhas letras seriam usurpadas por jovens anjos, ainda de asas vigorosas e de olhos rente ao sol. O seu vôo passou a ser, de certo modo, o meu vôo.
E, por isso, a estes anjos de penas brilhantes digo: Que a minha cidade seja o início da construção da vossa. Não a tomem como certa, como verdadeira! Duvidem dela, como eu duvidei das cidades que me foram apresentadas. Risquem as letras que vos "ofereci" e substituam-nas pelas vossas. Que aquele rio na margem do qual se sentaram, seja o leito do vosso vôo. E que as fotografias da vossa noite tenham a alma das viagens e das multidões que ainda vão conhecer.
Obrigado por terem aceite fazer esta viagem...
R.
2 comentários:
"As minhas letras com vida. Nunca pensei que as minhas letras servissem para algo mais que espelhos para me olhar." :) Porque as palavras são conchas, receptáculos de sentido, beijos na alma e no coração. Gostei do teu blog e dos teus textos :)
Obrigado Selene... até um anjo gosta de elogios :) E continua por aqui, espero não te desiludir.
Concordo contigo, as palavras são "apenas" conchas, teremos de ser nós a dar-lhes sentido. Talvez nessa busca, achemos sentido para os nosso projectos... quem sabe?
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