12 de maio de 2006

Para ti que estás longe

Para ti que estás longe, quero contar-te a minha estória. Quero dizer-te de onde vim, e porque é que ainda não me fui embora - que vou fazendo na poeira dos dias.

Quando era pequeno, gostava de chapinhar nas fontes, gostava de usar caracóis (ou, então, estava habituado a eles), gostava de jogar à bola nos fins-de-tarde de praia. Gostava da minha mãe e do meu pai - gostava do meu irmão. Quando era pequeno, as minhas asas eram ainda translúcidas, quase mesmo invisíveis. Desejava sempre estar onde estava. Para mim, o futuro atinha-se em jogos e dias cheios de coisa nenhuma. Seria feliz? Outro dia perguntaram-me isso... sim, acho que o era - também ambicionava pouco, é certo. Mas realmente tinha tudo o queria. Também nunca fui anjo de muitas amizades. Sempre fui daqueles que preferem a quietude de um livro, ao invés da algazarra das brincadeiras de rua. Mas aqueles amigos que tive, ainda os guardo religiosamente no fundo do baú das mais queridas lembranças, mesmo que nunca os tenha cultivado como deveria. Aliás, cada vez mais me convenço que têm sido esses retalhos de vida que me definem: por onde passei, quem conheci. Foi assim que a minha infância floresceu.

Mas cresci. Agora ainda gostaria de chapinhar nas fontes, mas por acanhamento, vergonha ou então pela vontade de manter essa memória imaculada, já não o faço. Jogo pouco à bola, e os meus fins-de-tarde raramente são na praia. Ainda gosto da minha mãe e do meu - ainda gosto do meu irmão; mas agora, para mim, deixaram de ser ídolos para serem companheiros de viagem. As minhas asas são agora vermelhas, cor do fogo que sinto a pulsar dentro de mim - cor do sangue vivo de que sou feito. Desejo sempre estar noutro lugar; o meu futuro passa por terras distantes e dias cheios de coisa alguma. Sou feliz? Curioso... ninguém me pergunta isso; ou melhor, perguntam-me, mas apenas de uma forma retórica - lançam a questão, mas nem sequer esperam pela resposta. Sou feliz? A verdade é que não sei. Ambiciono muito (demasiado?). Quero o impossível, umas vezes por necessidade, outras por mero exercício. Não tenho tudo o quero... tenho ainda pouco do que virei a desejar. Hoje continuo a ter poucas amizades. Conhecidos, esses cada vez tenho mais - mais até do que desejaria. Mas aqueles amigos que tive, e alguns que vim a acrescentar, continuam a ser retratos vivos que me seguem neste projecto inacabado que é o meu vôo. Mas continuo a não os prezar e cultivar como seria a minha obrigação. Ahh, e a quietude dos livros continua a "chamar-me", mas o tempo para a desfrutar vai escasseando. Se bem que as ruas, o seu frenético viver , interessam-me como não acontecia outrora. Agora necessito desse aglomerado de corpos e vidas para me "alimentar". Acho que é isso que quero - fundir-me nessas multidões - perder-me para me reencontrar.

Mas, principalmente, quero juntar-me a ti que estás longe. Quero conhecer esse local longínquo em que habitas, e que me dás a conhecer em sonhos. Quero poder banhar-me nas águas de cor límpida, e reciclar as minhas energias nesse sol que me fazes invejar. E, acima de tudo, mesmo no topo daquilo que quero mas ainda não consegui, quero-te a ti... quero conhecer-te e descobrir que és tu aquela que vou amar.

R.

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