Fernando Pessoa, Pessoa... P. A sua experiência de vida deveu-se sobretudo à intensa observação. Contrastou uma viagem interior que poucos terão tido capacidade de realizar com uma quase ausência de vida "real". Assim, toda a sua essência veio de uma criação teórica, em clara oposição com uma falta de experiência empírica. Pessoa "morria" muitas vezes por dia, insatisfeito por não alcançar o que imaginava que lhe deveria estar reservado. Nunca se conseguiu enquadrar num mundo que se fascinava. Sabia que lhe faltava sempre algo para ser uma "pessoa normal", para ser um dos demais. A sua hiper-lucidez, inteligência e sensibilidade levavam-no a uma volúpia pelo ser humano, pela sua rotina e destino - mas, para isso, sempre se afastou, para melhor observar. Sempre admitiu a sua incapacidade sentimental, o seu isolamente - forçado ou procurado. Transformou o papel no seu grande (único?) confessor do que lhe ia na alma; a caneta escorria sangue e dor, e umas poucas e raras alegrias concretas.
Agora, tanto tempo depois da sua partida, Pessoa está novamente aqui - perto de mim. E só neste momento, anos depois de o ter conhecido, é que percebo totalmente porque me prendi a ele. Sempre achei que se devia à sua escrita elaborada, a uma bonita cadência das palavras... afinal, hoje descubro que Pessoa, P sou eu. Eu e todos aqueles que não se contentam em seguir a cegarrega dos dias, a rotina dos transportes públicos, os jantares com a telenovela por companhia. E, acima de tudo, P são todos aqueles que de tanto se espantarem pelo simples acto de viver, por sentirem fascínio pela forma como as grandes cidades se renovam e resistem à passagem do tempo, por tudo isso... acabam por perceber que deixaram passar uma vida, e agora só lhes resta voltar como anjos caídos, e reviverem tudo outra vez. Como eu...
R e [P]
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