Na praia. Todos juntos. Ou melhor, todos no mesmo sítio. Afinal, já não temos tanto em comum como antes. Por mais que queira - e, sinceramente, nem sei se quero - estas noites perderam o encanto que outrora tinham. Naquela altura, em que o cabelo era mais farto e a ânsia de viver mais descuidada, imaginara o resto da minha vida assim; feita de noites em branco, de garrafas e de conversas aparentemente decisivas. Agora, admito, tu és a única razão porque insisto em estar aqui. Descobri em ti um sorriso que me fascinou. Sirvo-te um amendoim e copo de Porto e peço-te que me (re)contes a tua vida. «Outra vez?», dizes tu, sorrindo com esse sorriso que me faz esquecer o frio da praia à noite. Sim, outra vez - sempre.
Contas-me como viveste até ao momento em que nos cruzámos pela primeira vez. Respondo-te que eu, pelo contrário, nasci quando me disseste sim ao primeiro amendoim e ao primeiro Porto. Ris-te novamente (não rias mais, peço-te, ou perderei a última réstia de noção que ainda me sobra), como se duvidasses do que afirmo, e com a certeza de quem descobriu um tesouro e agora o tenta guardar apenas para si. «Sabes, é difícil acreditar no destino quando se está numa praia ao frio!». Rio-me eu agora - rimo-nos os dois. Ofereço-te o meu casaco - finalmente uma desculpa para o nosso primeiro contacto físico. Entretanto, não há mais garrafas, nem amendoins, muito menos os cajús que normalmente reclamo nunca ninguém trazer - e com que tu, nesta noite à beira-mar, me decidiste presentear. A noite parece estar perto do fim. Decido arriscar a minha sorte contigo. «Estrela da noite que agora cessa, dá-me um autógrafo, ou então uma dedicatória para um anjo enamorado».
Olho agora, dias depois daquela noite de praia, para o meu braço, onde escreveste a lápis de cor (e que juro nunca mais lavar): para um anjo de areia, volátil como as marés mas certo como as fases da lua. Pena é que não tenhas escrito também o teu número de telefone!
R.
1 comentário:
É fantástico como, por vezes, descobrimos que são os pequenos gestos que marcam e fixam os grandes momentos...
Sozinhos na praia, altas horas da noite, descobrimos que estamos mais unidos do que alguma vez podemos pensar...
Obrigado.
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