4 de março de 2008

O estendal

tender letters

Tenho um estendal no meu jardim. Um estendal com muitos fios. Fios que entrelaçam uns nos outros. Alguns estão já emaranhados. Outros vão ficando ferrugentos da falta de uso. E muitas molas presas nos fios. Molas de todas as cores e feitios. Em cada fio, em cada mola, vou prendendo as minhas memórias. De jogos e brincadeiras, enquanto criança. Dos joelhos vermelhos, que teimava em esfolar todos os fins-de-semana. Os fins-de-semana que passava no parque de campismo (curioso, nunca mais lá voltei...). Das idas à praia ao final da tarde. O sol avermelhado descendo no horizonte. A praia quase deserta. E um mar tão grande. Parece mais pequeno agora. E com menos brilho. Aliás, a praia também quase já não existe. Foi engolida. Já não posso voltar.

No estendal estão também presas as memórias de juventude. De escolas maiores e mais impessoais. De novos colegas e alguns novos amigos. De faltar às aulas para jogar à bola. Ou para jogar matraquilhos. Ou outra coisa qualquer. Mas faltar às aulas. Memórias de meninas loiras e de olhos azuis. Que nunca me deram oportunidade de as cortejar. Que nunca aceitaram flores. Nem poemas rabiscados à pressa (bem, realmente a poesia nunca foi o meu forte...). De meninas morenas e olhos verdes. Que sorriram para mim. E me deram a mão. E que me ofereceram flores. E se riram das minhas piadas. E que me fizeram esquecer as meninas loiras. Memórias do primeiro beijo. Daqueles a sério. Que invejava do cinema. E que sabem muito melhor saboreados que vistos. Memórias das primeiras saídas em grupo. Das primeiras noitadas. Das primeiras tentativas de engate. Falhadas. Das segundas. Falhadas. Das terceiras, quartas e quintas tentativas. Melhorando a técnica. Das primeiras ressacas. Que as misturas dão sempre mau resultado. Aprendi a lição (vou aprendendo...).

Memórias de agora. Vividas e por viver. Memórias de um presente que vou tentando construir por tentativa e erro. Nem sempre sabendo o que faço, mas sempre convicto que não posso deixar de tentar. Memórias de projectos que quero abraçar. Ideias que vão palpitando à espera de avançarem. Ou desvanecerem. Memórias de meninas morenas, loiras e ruivas que quero ainda conhecer. E oferecer-lhes flores. A poesia continuo a não querer arriscar. Prefiro as piadas. Ou frases intelectualóides inventadas no momento. Memórias de noitadas agora mais raras. Ressacas ocasionais. Mas memórias de mais conversas. Em praias iluminadas pela lua. Conversas sobre tudo e nada. Sobre ansiedades e dúvidas. Sobre vitórias e projectos.

Tenho um estendal no fundo do jardim. No fundo da minha alma. Povoado de fotografias e textos, de sorrisos e lágrimas. E nesse estendal está pendurado o meu coração. Uns dias apanhando o sol de verão. Outros secando das chuvadas de inverno. E ele vai palpitando mais acelerado ou mais compassado. Mas vai continuando. Esperando novas memórias a pendurar.

R.

4 comentários:

A disse...

E como é bom ter memórias para pendurar no estendal! E como é bom ainda sentir o coração palpitar. Que o teu estendal tenha sempre sentimentos e memórias bonitas para prender.

M disse...

gostei do teu estendal :)

bj meu

c. disse...

gostei dessa ideia do estendal...espero que tenhas muitas (e boas...) molas para agarrar, com força, cada uma dessas memórias, para que não se deixem levar por dias ventosos, e que os fios sejam suficientemente fortes, para suportarem todas as memórias que estão por vir.

* um abraço meu para pendurares no teu estendal ;)

angel_of _dust disse...

a: olá nova amiga... que possas tamhbém tu contribuir para os sentimentos e memórias que vão poisando neste estandal virtual. ahh, passei pelos teus blogs... gostei... vou voltar! ;)

c: neste momento existem algumas memórias recentes que ainda não consegui pendurar da forma mais correcta... mas há tempo :)