29 de junho de 2006

Do outro lado das luzes

Quando te conheci, no preciso momento em que cruzámos os olhos pela primeira vez - não as íris coloridas dispostas em harmoniosa parceria, mas sim os olhos da alma - disseste-me que buscavas um palco. Na altura, não entendi o que perseguias; acho que, ainda hoje, não entendo...

Talvez procurasses o teu lugar no mundo. Acreditavas que algo mais estaria predestinado para ti. O singelo dia-a-dia de percursos e normas pendulares não te agradava. Revelei-te que a mim também não me bastava. Creio ter sido isso o que nos ligou desde o início. Falávamos horas a fio sobre esse palco imaterial onde todos os sonhos têm suor e ardor, como se de realidade se tratassem. Perguntaste-me, uma vez, se eu via em ti uma actriz. Perguntei-te eu se era assim que te imaginavas no fim da vida. Disseste-me que a tua cabeça estava cheia de viagens à volta do mundo, de amores com deuses que sangram e choram, de longas noites esperando uma estrela cadente. «Então, sim... deves ser actriz - tanta incerteza e avidez juntas só poderão ser saciadas com sofrimento encenado e verdades cheias de mentiras». Muitas vezes pensei, ao longo do tempo que nos foi separando pouco a pouco, se respondia a ti ou a ambos. Mas eu deixei-me estar, certo de que tomaria como destino estar insatisfeito, sem qualquer capa que pudesse justificar os meus actos e desejos. Tu seguiste, certa que o teu caminho passaria pelos palcos - talvez neles tentando encontrar o teu.

Vejo-te agora do outro lado das luzes. Eu escondido na penumbra conveniente de quem sempre se habituou a espiar a vida de outros, adoptando as suas rotinas como suas. Tu no palco - onde sempre quiseste (precisaste?) estar. Em meu redor uma plateia cheia de anónimos, que vêm alimentar-se da tua energia; daquela energia que ambicionei guardar só para mim e que agora vejo diluir-se na imensidão de aplausos que irão repetir-se noite após noite. A cada representação és cada vez menos minha. Eles nunca te conhecerão como eu, mas cada um tomar-te-à para si - como objecto de desejo, como reflexo... como rede das suas frustações, tentando aprisioná-las em cada pedaço de ti. Sim, para eles tu nunca poderás ser mais do que mera imagem colorida, movimentos coordenados, emoções planeadas. Mas para mim, serás sempre carne viva, suor, palavras inventadas na hora e esquecidas logo depois... para mim, serás sempre aquela menina que me dizia que buscava um palco mas não sabia onde o encontrar.

Não imaginava então o que querias, nem como te ajudar; creio que tu também não. Sei hoje que continuo a ver-te perdida, sem encontrar o palco que desejavas. Mas agora, tens luzes, som e uma plateia de pé a aplaudir a tua insatisfação. Só eu saio sempre antes do espectáculo terminar, com a certeza do final nunca ser a meu (nosso) contento.

R.

3 comentários:

angel_of _dust disse...

que saudades de ser lido por ti... que saudades da partilha

Anónimo disse...

Gostei muito deste texto. Parabéns!

angel_of _dust disse...

correia11: obrigado por teres "voado" por aqui... não te esqueças do caminho e volta sempre!