12 de julho de 2007

Dispara

Dispara, vá lá dispara... - dizia-me ela. Bem vistas as circunstâncias, se calhar é a única coisa a fazer. A correcta. A necessária. Inevitável. Mas não sei... acabar tudo, assim?! Vá... o que esperas? Não disseste que não conseguias viver sem mim? Então, é óbvio o que tens a fazer. Pego na arma. É pesada. Nos filmes parece sempre que tem o peso de uma pluma. Mas não, é pesada. Olhamos um para o outro. Mais uma vez, terei de ser eu a resolver tudo. Terei de ser eu a tomar a decisão. A final. A arma está carregada. Tiro a segurança. como nos filmes. A mão treme. Nos filmes, ou não treme ou abana exageradamente. Aqui treme, mas não se nota. Talvez seja o meu coração que trema. Parecendo que não, é difícil levar avante a decisão. A solução. A concretização.

Se não te decides, ainda perdes a coragem. Dispara... Impaciente, penso eu - sempre foste impaciente. Em tudo. Nas grandes coisas. nas pequenas coisas. Na cor dos cortinados. No sexo. Na escolha do filme. No local das férias. E agora, num momento que se quer solene, és impaciente. Não percebes que o momento é de reflexão? E pensar que, ainda ontem, tudo parecia normal, rotineiro (chato, dirias tu). Antes de me traíres. Antes de me dizeres que o melhor seria seguirmos caminhos separados. Antes de te dizer que, realmente, não poderia viver sem estar ao teu lado. E, principalmente, antes de tu me dizeres que só haveria uma solução. Esta. A definitiva. Bem, se é para levar isto avante, mais vale ser agora. No tempo combinado. Antes que me arrependa. Vamos a isto. Tu sentada numa cadeira. Fechas os olhos, dizes que não queres ver. Pela primeira vez, pareces hesitar. Mas eu não. É realmente a decisão mais acertada. Aponto a arma à cabeça. Está carregada. E preparada. Olhos abertos. Última fotografia. Momento kodak, para mais tarde recordar (enfim, mais ou menos...). Inspiro. O dedo hesita. Mas eu forço-o a cumprir a sua missão. Já está.

... Uma sensação de calor. E de frio. Sem meio-termo. Os olhos dormentes. Curioso, não sinto dor (não seria suposto?). As pernas e o braços dormentes. Agora já não os sinto. Os olhos a fecharem. Os sons tornam-se distantes, como no fundo de um túnel. Será este o famoso túnel que nos leva ao "outro lado"? O calor foi-se - agora o frio é muito. Mas já vai diminuindo. Acho que está a terminar. Tudo. E não me despedi de ninguém. Acho que ela me está a dizer algo. Não consigo ouvir. Um último esforço. «Estúpido! Queria que disparasses em mim, não contra ti!». Bolas... e agora é que avisas?!

R.

4 comentários:

M disse...

a eterna dicotomia: coragem ou cobardia?

bj meu

Nuno Guronsan disse...

Bom, se não foi o melhor escrito teu que li, deve andar muito perto. E a reviravolta final, então...

Bravo! De pé!

Um abraço.

angel_of _dust disse...

monikyta: coragem, cobardia? Mesmo que não seja com uma arma na mão, mesmo que não seja para terminar tudo (daquela forma que não tem retorno), parece que andamos sempre a querer coisas diferentes. Uns querem amor outros despendimento. Uns querem uma solidão, mas não conseguem evitar sentir-se sozinhos. Uns querem morrer, mas arranjam sempre alguém que morra por eles. Enfim... acho que não sabemos o que queremos.

Nuno: Tenho de admitir que este texto surgiu da falta de vontade em fazer algo mais produtivo. E de me apetecer morrer por amor... nem que seja só por hoje.

Raquel Branco (Putty Cat) disse...

A arte do diálogo, é saber-se falar e saber-se ouvir, saber-se interpretar.

Qdo isso não acontece, pum!

É a morte do artista.

Gostei!

Deixo-te um beijo, Angel.