14 de novembro de 2007

O jogo da glória

O jogo da glória é um jogo de convívio. No princípio do jogo não existe nada. Só o tabuleiro. Ainda não há vencedores nem vencidos. Ainda. No início de tudo o tabuleiro está vazio. No jogo avançamos e recuamos ao sabor dos dados e da sorte. Há jogadores que ganham e perdem o direito de jogar. O jogo da glória é um tabuleiro de números e cores. E onde, no final, há um prémio para quem lá chegue primeiro.

Mas o jogo da glória é também a vida. O jogo de memórias. O jogo representa o percurso da vida de um ser humano, onde a virtude e o vício se interpõem em nosso caminho sem que necessariamente os desejemos. Um tabuleiro vazio. As casas são criadas à medida que se joga. Não sabemos quais têm prémios. Mas todas têm memórias. Boas ou más. São escadas e cobras, oportunidades e fracassos. Ganhar ou perder é o importante, mesmo que não queiramos. Há que jogar. Aliás, não podemos deixar de jogar. Nunca se perde a vez. E, no fim, não há prémio para o primeiro, nem castigo para o último. No jogo da glória-memória o lançar dos dados é que é importante. O jogo da glória somos nós - jogadores em busca de uma vitória: o acreditar que todo o jogo valeu a pena.

Início do jogo. Casa 0. Chega-te a mim, mais perto da lareira - vou-te contar a história verdadeira. Na frente, um tabuleiro vazio. Não vemos a totalidade das casas. Nem sabemos quantas são. Como começar? Primeira regra: todos os jogadores começam ao mesmo tempo. Jogamos os dados. E esperamos a ver o que acontece.

Há que reconhecer que estamos um tudo-nada diferentes... diz um dos jogadores. Casa 5. Agora o jogo é a sério, e não a feijões. Os peões de jogo não se distinguem pelas cores. Os peões têm memórias e expectativas, têm enseios e receios. Os peões, espelhos ou cópias de nós, são iguais por fora mas bem diferentes por dentro. Hesitamos em jogar os dados. Não sabemos qual casa preferimos. Nova regra: devem-se jogar os dados e dizer bem alto o resultado - mas, mesmo assim, temos sempre de ocupar a casa seguinte, e só essa.

Casa 10. A obsessão com o passado é uma armadilha. Estamos encantados, fascinados e depois... depois não suportamos o confronto com o mundo real... o jogo está mais renhido. Alguns jogadores ganharam distância - julgam ter uma vantagem considerável. Outros conformam-se com o fim do pelotão. Mas há ainda muito jogo pela frente. E neste jogo da glória a sorte pode mudar quase de forma instantânea.

Estamos na Casa 14. É fácil ser-se um revolucionário quando a família paga as despesas. Não é permitido apoios de fora. No jogo estamos sempre sozinhos. Mesmo que outros jogadores estejam na mesma casa. Dados iguais. Resultados (às vezes) iguais. Memórias sempre diferentes. Falar do jogo é simples. Jogá-lo de forma satisfatória é quase impossível.

As pessoas geralmente pensam que as guerras são feitas por homens. Não é verdade. Quem anda na guerra são os gaiatos... Casa 22. Às vezes, durante o jogo, pode apetecer desistir. Já não querermos jogar. Procuramos a saída de emergência. Nova regra: não há saídas a meio do jogo. Se aceitamos jogar, nunca podemos desistir. Se não aceitamos, temos de jogar na mesma. A opção é ilusória.

Casa 30. Queria era ser um camponês. Disparate. Os camponeses têm chatices todos os dias e nunca lhes dá para quererem ser intelectuais... acho eu... Não existem pré-requisitos para jogar. A experiência do jogo é pessoal, logo não existem tácticas que se apliquem. Logo não existe conhecimento que permita avançar ou regredir. O conhecimento é empírico - o jogo aprende-se jogando. Só o corpo ou o que resta dele é necessário. E mesmo isso...

Por vezes as noites duram meses. E por vezes os meses oceanos. E por vezes os braços que apertamos nunca mais são os mesmos. E por vezes encontramos de nós em poucos meses o que a noite nos fez em muitos anos. E por vezes fingimos que lembramos. Fim de jogo. Ou julgamos ser o final do jogo. Mas logo uma nova casa aparece. Alguns dos jogadores, entretanto, desapareceram. Afinal sempre é possível perder (ou será que apenas esses alcançam prémio?). E a nova casa permanece. Espera ser ocupada. Soa bem... jogamos outra vez?

R.

5 comentários:

M disse...

obrigada pelas instruções (iniciais).

Dia 22 é dia de Jogo

bj meu

angel_of _dust disse...

instruções? talvez... será mais mapa de navegação - mas comido pelo tempo. ou antes notas soltas de um percurso a tentar seguir.

instruções? quem sabe... eu decerto que não...

Nuno Guronsan disse...

Cada vez penso menos no prémio deste jogo que jogamos todos os dias. Gostava de acreditar que o que é realmente importante é aproveitar todas as "casas" por onde passamos, quer nos tragam memórias boas ou momentos tristes e trágicos. Tudo faz parte de nós e daqueles com quem decidimos partilhar as "casas".

Abraço, meu caro.

Sérgio A. Correia disse...

Ricardo

Sarja Akhmani é oriundo de uma nobre família iraniana com muitos primos na
Linha. Perspicaz como poucos e parvalhão como quase ninguém, Akhmani
propõe-se observar, com um olhar estrangeiramente distanciado, o vosso país
e a Europa em geral, à semelhança do que fez o seu parente Monstequieu no
séc xviii, com as suas Lettres Persannes.

Já sei que os mais ousados de entre vós irão contrapor que Monstesquieu não
era persa, mas francês. Detalhes. A esses críticos malévolos, dir-se-à que
Monstesquieu era na realidade francês, mas podia ter sido persa. Dito isto,
é fácil presumir que comecem a duvidar do parentesco de Sarja com o autor
francês. Nada mais injusto! Vá lá, atrevam-se a falar com os primos que ele
tem na Linha...



A pedido de várias famílias da Linha de quem Sarja Akhmani é primo, o
repórter iraniano achou por bem coligir num novo blogue os textos que foi
produzindo no "cresceiemultiplicai.vos". Assim, é de salientar o cuidado que
Sarja teve em escolher justamente os seus piores textos humorísticos, ou não
fosse este o pior blogue de humor da blogosfera portuguesa.


O lançamento do novo blogue contará com a presença de José Sócrates,
primeiro-ministro do Irão, e de um novo post do repórter sobre o
provincianismo português.


http://obloguedosarja.blogspot.com


Grato pelas vossas visitinhas


Sarja, o repórter

Raquel Branco (Putty Cat) disse...

Agora podes encontrar-me aqui:

http://oladobdalua.blogspot.com/

Beijo