E é assim - num ápice - que o trabalho de meses (às vezes anos) transpira para um qualquer palco. É assim, num repentismo que simultaneamente excita mas aterroriza. Quando damos muito de nós a algo, como se de uma pessoa se tratasse, temos sempre receio que não seja suficiente. Que nós não sejamos suficientes. Tudo isto a propósito da estreia da minha última incursão a um palco. Das minhas fotos do fogo. E confesso aqui (onde ninguém me pode ouvir) que dei muito a este trabalho. Mesmo que a maioria das dádivas estejam escondidas, transvestidas de marcações, guarda-roupa, textos e luzes. Mas sim, o anjo está lá presente em imensos momentos - talvez até demais...
Na terra árida que criámos - eu e quem aceitou o desafio de me acompanhar - e onde tentámos perder memórias das personagens (nossas?), apareceu também um deserto emocional. Criado num palco. Para que possamos fingir que não é real. Que é só inventado para divertir alguém, a nós próprios. E por lá têm passado histórias, casos, desabafos. Por lá têm vivido a Noémia e a Mariana, amigas desencontradas. E o Octávio, com os seus soldadinhos de brincar - os únicos que não o abandonam e que não cobram o seu falhanço. Naquela terra vive um soldado que tenta fechar um ciclo - amparado nos braços de uma sombra. E, escondida na penumbra, há uma irmã que já foi noiva - e que agora revive cartas por entregar. Acima de tudo, nesta terra árida está um jogo; um jogo de uma identidade colectiva. De uma fotografia de grupo. Que somos nós se assim quisermos. Ou de outros, se tivermos a força para fazer melhor. Mas que, ao fim e ao cabo, não passa de uma fotografia - para dela fazermos o que acharmos melhor...
Naquela terra árida vivo eu. Na voz de cada actor. No seu corpo hesitante por vezes, convicto por momentos. Nos seus olhos e boca e sexo. Nas suas mágoas roubadas a personagens saídas de um papel. E nas alegrias vividas a custo. Vivo na luz negra que reflecte o branco que pontua a todos. Vivo na penumbra que cobre muito do palco. Nas malas que carregam vidas no seu interior. Acima de tudo, vivo nas fotografias que invadem o palco. Memórias recentes de um país com longa história. Vivo nas críticas de quem não gostou, de quem detestou - de quem frontalmente me disse que deveríamos desistir. Vivo nos elogios, alguns exagerados e meramente por amizade. Vivo imenso em quem me questiona as razões, as opções... as convicções - sim, tenho tendência para ter convicções e defendê-las aguerridamente.
Mas principalmente, vivo e defendo e subscrevo-vos a vocês: Daniela, Luis, Margarida, Mónica, Pedro, Sandra e Vanda. As vossas virtudes roubo para mim. Os vossos defeitos são desde a estreia os meus defeitos. E sempre que vos vejo em palco, (re)vejo-me a mim. Nos pequenos pormenores das minhas asas que fui espalhando pela terra árida. E que nunca desvendarei. Isso guardo para mim. O resto é vosso.
R.
p.s. e sim... este post também é um pouco publicitário - admito que sou um anjo mercantilista (às vezes...)
3 comentários:
temos sido brasa à espera de virar incêndio...
:/
as brasas crescem, monikyta... e os incêndios vêm sempre de dentro. uns dias com maior intensidade, outros mais ténues. mas o fogo está lá dentro - é só deixá-lo sair.
obrigado por fazeres parte desta viagem ;)
voltarei para ler , amanhã ! com calma !
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